Capítulo 5
Ciro estava encostado ao Hyundai prata modelo SUV estacionado na Avenida do Estado, ao lado do Museu Catavento. Ciro tinha uma razão para estar ali. Há muitos anos dedicava-se em proteger os Filhos da Seca de qualquer ameaça e escolheu aquele local, justamente para não deixar nenhum de seus inimigos se aproximar da Estação da Luz, local onde o Grande Irmão concentrava suas forças militares, e região onde habitava a maioria dos Filhos da Seca.
O museu também o fazia lembrar a infância, um dos melhores dias de sua vida, um passeio com seus pais e os dois irmãos mais novos. Naquela época ainda havia água e energia elétrica, e as pessoas podiam se divertir, correr numa tarde de chuva, uma das últimas na sua infância. Foi ali a única vez que entrou em um avião, um antigo DC-3 estacionado no pátio do museu, e de tão empolgado sonhou em ser piloto. Podia viver sem preocupações, sem tremer sempre que ouvia o barulho das aeronaves sobrevoando o céu da cidade; podia dormir sem receio de novas bombas.
Ao longe, os postes serviam de poleiro para os urubus. Às vezes um deles levantava voo e sobrevoava o lugar em círculos, pousando em algum lugar vazio da rua. O vento parecia se esconder do sol, enquanto o suor brotava na cabeça de Ciro como água no Oasis. Verificou as horas no relógio de pulso. Ainda não eram nove horas da manhã. Tinha a sensação de que o verão era a única estação do ano. Os óculos de sol escondiam parcialmente seu semblante forte. Quase não conversava; não tinha amigos num vasto mundo desolado.
Estava ali já algum tempo aguardando o retorno de uma dúzia de militantes vermelhos que havia invadido o deserto numa missão de retaliação, depois da última ação do Povo da Areia, quando eles roubaram um pequeno depósito de comida e água que os Filhos da Seca mantinham. Não queria estar ali, pois sabia que não valia a pena recuperar aquilo, mas era uma ordem do Grande Irmão. Era preciso obedecer se quisesse que seus subordinados seguissem suas ordens. Enquanto o Grande Irmão era um deus da água, adorado por todos os Filhos da Seca, Ciro supervisionava o funcionamento da tribo, e comandava o exército de Militantes Vermelhos e Purificados. Tudo devia passar pelas suas mãos antes de chegar ao Grande Irmão.
Permanecia encostado no veículo. A lataria estava quente, e Ciro ficou feliz. Ao menos para uma coisa o sol intenso servia: carregar as baterias do veículo. Aquele foi um dos últimos modelos fabricados antes do Grande Apagão e aproveitava a energia solar usando um concentrador especial que direcionava os raios para os painéis solares no teto do veículo. O resultado era um veículo que, com um dia inteiro de sol, entregava o mesmo desempenho dos antigos movidos a gasolina. Ciro gostava de dirigir. Era como se voltasse por um momento no passado, quando a cidade vivia cheia de veículos barulhentos e poluidores.
— Há alguma coisa estranha chegando, Corinne. Dê uma olhada para mim – Ciro entregou um binóculo para a jovem de 19 anos, cabelos loiros bem curtinhos, estilo joãozinho, e um olhar firme. Era uma das poucas pessoas em que ele ainda confiava.
Ciro continuava, com seus óculos de sol, olhando para a rua de onde vinha um grupo de militantes vermelhos.
— É Ricardo e os meninos dele, estão trazendo mais alguém, senhor.
— Inútil! Odeio que me desobedeçam — Ciro rangeu os dentes. — Era para matar todos e mandar as cabeças de volta ao acampamento deles.
Corinne baixou o binóculo e olhou diretamente para Ciro. A barba bem feita, o semblante fechado. Nem sempre foi assim. A guerra endurecera seu coração, e Ciro não conseguia nutrir mais nenhum sentimento pelo Povo da Areia. Conforme os anos passavam a disputa entre Filhos da Seca e o Povo da Areia, tornava-se mais acirrada e os recursos para sobrevivência mais escassos. Alguns anos atrás, Ciro até permitiria a divisão de alimentos e água com a tribo rival, para que eles pudessem sustentar ao menos as crianças, mulheres e idosos. Mas depois de tantos anos, da arrogância do Povo da Areia com seu falido exército de Lagartos, Ciro simplesmente parou de tolerar a presença deles nas Ruínas. Se o Povo da Areia queria viver no deserto, que lá morressem.
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GUERRA AZUL
Science Fiction"Não importa o que aconteça, sempre lute pelo o que acredita". O ano é 2065 e a crise da água chegou ao extremo limite, atingindo as últimas fontes de água do Brasil, deixando o país em ruínas. Ester, passou a vida inteira na Serra da Cantareira, um...