Capítulo 4
O acampamento do Povo da Areia era um labirinto formado por 47 tendas espalhadas em torno do lugar que eles chamavam de cozinha comunitária. O local lembrava os antigos acampamentos berberes dos desertos como os de Marrocos, mas Ester nem imaginava. Nunca havia visto um livro de história, fotografia ou estudado sobre outros povos. Tudo que tinha eram seus recortes, revistas velhas, com imagens coloridas de gente feliz. Na verdade, a maioria das pessoas, dos nascidos após o Grande Apagão, nem tinha ideia de como era o mundo. Tudo era tecnológico quando a luz acabou. São Paulo simplesmente parou. No acampamento, com exceção de Baruc e Eliseu, todos eram analfabetos. Sobreviver era a única razão de viver.
O calor do meio-dia não impedia que, amontoadas na maior das tendas, 12 mulheres discutissem avidamente, com Baruc e Eliseu, sobre o destino da tribo. Ester não havia perdido tempo, e logo pela manhã conseguiu convencer as mães e viúvas dos Lagartos a protestarem contra a decisão do então líder em ir resgatar Daniel.
— Nós não queremos que você nos diga "tá certo, tá certo", queremos ações concretas – disse Fátima, uma senhora de feições sérias, que era mãe de César.
— Entendo a situação – ponderou Baruc — mas Daniel também não voltou.
— Mas pelo menos ele está vivo – retrucou outra mulher. — E todos os outros?
— Até quando ele estará vivo? - Reforçou uma moça de 18 anos, esposa de Gérson, inconformada com a perda do marido. Alisou a barriga grande, estava grávida, mas não tinha certeza de quantas semanas, e nem se a criança sobreviveria a toda gestação. — Essa guerra já matou gente demais.
— Ainda não é o nosso fim – disse Baruc não querendo tumultuar e abalar a já conturbada reunião em que se encontrava.
O calor o fazia usar as costas das mãos para secar o suor da testa. Imaginava-se que esse era o motivo, ou talvez fosse nervoso. Nunca foi bom com as palavras, e sentiu falta de Tobias para resolver aquela situação por eles.
Eliseu só observava, enquanto permanecia com o semblante fechado, deixando aquelas mulheres de coração partido desabafarem. Por ele já estava decidido, iria com Baruc as Ruínas, trazia o menino de volta e se livrava do sentimento de culpa. Não que se sentisse responsável diretamente, fez o que sabia que era certo no momento, mas ao pensar na dor de Baruc, lembrava-se da criança morrendo em seus braços. Nenhum pai devia enterrar seu filho, essa não era a ordem natural das coisas.
— Você nos trouxe aqui para acabar com a gente – insistiu Fátima. — Disse que seria provisório, que era até as coisas melhorarem nas Ruínas. Olhe agora ao nosso redor? O que você vê? Só vejo tristeza e dor!
— Eu não disse nada quando viemos para cá! – retrucou Baruc se defendendo do murmúrio que se formava.
— Verdade, quem disse isso foi Tobias – Fátima confrontava Baruc. — Você nunca disse nada! Nunca fez nada pela nossa gente.
Uma confusão generalizada se iniciou e as outras mulheres espremeram Baruc no centro de uma roda, apontando o dedo na cara dele o acusando ser o responsável por aquela crise.
— Entendo a preocupação das senhoras. A situação realmente é crítica. Mas o alimento que temos aqui deve dar para um pouco mais de uma semana, que é o tempo necessário para eu ir e voltar das Ruínas. É lógico que voltaremos com mais água e comida, mas não posso garantir muita coisa.
— Muita coisa? – a voz forte daquela senhora negra, do quadril largo, ressoou pelo salão. Ângela, a mãe de Mirian, era a principal cozinheira da tribo, e a mais velha das mulheres, uma senhora enorme com os pequenos olhos astutos de um elefante. — Já não conseguimos plantar mais nada faz tempo. Nosso tempo aqui acabou!
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GUERRA AZUL
Science Fiction"Não importa o que aconteça, sempre lute pelo o que acredita". O ano é 2065 e a crise da água chegou ao extremo limite, atingindo as últimas fontes de água do Brasil, deixando o país em ruínas. Ester, passou a vida inteira na Serra da Cantareira, um...