CAPÍTULO 1

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Marina assistiu três expressões se formarem na maioria dos rostos a sua frente: surpresa, confusão e desgosto. Estavam surpresos que fosse uma mulher, não entendiam o por quê dela estar ali e o principal, não queriam sua presença. Sorriu firme em resposta a todas as emoções.

- Como devem saber a grande mídia não tem gostado muito dos nossos modos; os jornais, a televisão e até a porra do rádio está colocando em questão nossas atuações nas favelas. - jogou o jornal que segurava em um dos soldados a sua frente, na manchete um gigantesco título que dizia: "heróis ou vilões: mortes mancham operações do Batalhão de Operações Especiais".

A verdade é que se continuassem assim estariam ferrados, perderiam credibilidade pública, alguns políticos tentando puxar a população começariam a atacar a instituição, viraria um caos e tudo que não precisavam naquele momento era isso. A operação do Turano era só a ponta daquele iceberg, a bandidagem estava muito mais enraizada nas favelas do que parecia e se queriam continuar combatendo isso teriam que acertar muitos pontos.

Deu mais uma olhada ao redor.

- Precisamos reverter isso, portanto, o Coronel junto ao meu superior acharam de bom tom que eu fosse transferida para ajudar a melhorar a imagem do batalhão, vocês sabem... estruturar melhor as incursões. - em outras palavras, Marina pensou, queriam que ela fosse uma babá muito rigorosa. - Alguém tem alguma dúvida?

- Acredito que não precisamos de vigias. - soldado Campos, cabelos castanhos claros, mais de um metro e oitenta de altura e olhos escuros, marcou seu rosto em sua mente pelo tom irônico que usou.

- Não estou aqui para vigiar vocês, estou aqui para garantir que vocês parem de fazer merda e que se forem fazer, pelo menos, saibam o momento certo. - assistiu seu rosto se fechar. - Gostem ou não, é como será, portanto, se tem reclamações fiquem à vontade para chorar para suas famílias, porque isso não mudará em nada minha presença. Estão dispensados, Senhores.

Assistiu os homens se retirarem um a um, sentiu o Coronel dar um leve aperto em seu ombro antes de descer do palanque sendo seguido pelo Capitão Nascimento.

Não conhecia o homem além das poucas vezes que estiveram juntos em reuniões antes da efetiva transferência da mulher, sequer trocaram alguma palavra além de "bom dia" ou "boa tarde" e tudo que sabia dele era graças a fama que precedia sua imagem. Impiedoso era o mais gentil dos adjetivos que o descreviam.

Porém, Marina podia ter quase certeza que ele também não era exatamente favorável a sua presença, mas não se opunha a ela, pelo menos, não na sua frente, já que alguns minutos depois da breve apresentação se lembrou que deixou uma pasta de relatórios na sala do superior e, ao se aproximar da porta do escritório, pode ouvir seu nome ser dito em meio ao que parecia uma discordância de opiniões.

- Que diferença ela vai fazer aqui? Não é disso que precisamos agora. - ouviu a reclamação, as vozes estavam abafadas então, provavelmente, os homens estavam mais próximos a mesa.

- Nascimento, você mesmo queria alguém para te substituir meses atrás. Devia agradecer de ter alguém para dividir as atividades com você.

- A gente precisa de força bruta lá em cima, não vai funcionar isso.

- Ela já subiu mais morro que muito cavalo velho, tem uma caralhada de especialização, sabe como atuar nessas situações, faz negociação de liberação de reféns há anos, sabe o que faz, tem mais experiência que metade desses seus soldados. Major Ernandes recomendou ela, vamos seguir assim.

- Mas...

Cansada de ouvir as reclamações bateu na porta duas vezes e sequer esperou a autorização para entrar antes de invadir o ambiente. Ouviu uma respirada funda por parte do Capitão e um sorriso sem graça pelo Major.

- Peço desculpas por atrapalhar a conversa dos dois, mas esqueci uma pasta na mesa do senhor, se importa...? - apontou para o documento, repousado ao lado direito do móvel e o mais velho apenas negou com a cabeça, sinalizando para que ela pegasse o documento.

Andou em passos firmes até a mesa, parando ao lado da cadeira onde Nascimento estava sentado com uma expressão fechada, exalando desconforto por saber que tinha sido ouvido pelo assunto da conversa; não conseguiu segurar uma leve risada com aquela situação ridícula, não é como se fosse a primeira vez que aquilo acontecia.

Policiais femininas eram desmerecidas na corporação desde dos primórdios, ali não seria diferente.

Poderia simplesmente sair da sala, fingir que nada aconteceu e seguir sua vida, porém, Marina sabia que isso não fazia parte de quem era e que se tinham desavenças com ela que deixassem expostas, por isso, se virou para Roberto Nascimento e estendeu sua mão direita.

- Acredito que ainda não tenhamos sido formalmente apresentados. Capitão Rodrigues, prazer. - ele a analisou por alguns segundos, surpreso com o cumprimento.

- Capitão Nascimento.

- Eu sei quem você é, - forçou um sorriso, soltando a mão do homem. - e se tem um problema comigo, sinta-se à vontade para me envolver nas próximas conversas. Coronel, peço sua licença.

- Dispensada.

A verdade é que tinha aprendido a não se importar com situações como aquela logo nos primeiros anos de sua carreira, porque sempre teve consciência do quão machista a instituição era e sua simples presença era uma resistência contra tudo aquilo.

Não lutava essa batalha discutindo, brigando ou gritando por toda a opressão, lutava contra aquilo chegando em lugares que metade deles não conseguia, lutava contra sendo a melhor em sua área, lutava combatendo o crime com a cabeça erguida e não se corrompendo como eles faziam. E depois deixava todos eles se mordendo por terem que se subordinar a uma mulher porque a única "qualidade" que tinham era ser homens.

Mas não podia mentir para si mesma, queria sim que o Capitão Nascimento valorizasse sua presença. Porra, ela estava ali para ajudar, no final das contas, ele ao menos poderia fingir que sua presença não o incomodava, uma vez que teriam que estar lado a lado nessa, dia após dia e sinceramente, tudo que não precisava naquele momento era de alguém tirando sua paz em uma competição de quem tinha o pau maior.

Respirou fundo quando entrou em sua sala, pensando que aparentemente estava doida quando aceitou - ainda que não tivesse muita escolha - aquela missão. Seriam longos dias de pouca paz.


PONTO DE VISTA | Capitão Nascimento (Wagner Moura)Onde histórias criam vida. Descubra agora