Quarta-feira

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O fim do mundo começou em uma quarta de manhã, não quero criar teorias, mas sempre são as quarta-feiras, a segunda leva a má fama, mas esse dia bem no meio da semana é quando as coisas costumam dar errado para mim, me atraso, perco o celular, fico com a garota do cara metido a valentão. A essa altura eu já devia saber e me recusar a levantar nesse dia, porém não se pode viver assim, e é por isso que um dos piores dias da minha vida está acontecendo numa quarta.
Respiro fundo e tento impedir que lágrimas teimosas escapem dos meus olhos, eles não merecem isso, não podem saber que podem acabar comigo quando claramente eu não sou nada para eles, se eles não se importam então eu também não.
Jogo mais algumas coisas na mala e olho perdido para o quarto, não sei mais o que devo levar, acho que já coloquei tudo que preciso, mas sinto que estou esquecendo algo, que vou perder algo importante. Talvez seja normal se sentir assim quando sua vida muda de uma hora para outra, quando acordei pensei que minha maior preocupação seria não me atrasar para o ônibus, mas quando cheguei a cozinha e vi meus pais esperando para falar comigo soube que estava ferrado.
Vou parar de enrolar e contar com contexto o que aconteceu. Meus pais se separaram quando eu tinha uns 9 anos, na verdade eles nunca chegaram a ficar juntos. Meu pai é um cantor de country famoso, que apesar de dizer amar nossa família, sempre foi distante, e se eu visse ele duas vezes no ano estaria feliz, parece que ter uma família não se encaixa na sua carreira e nos manter em segredo é essencial para continuar sendo um tipo de símbolo sexual.
Minha mãe é uma artista basicamente anônima, que por causa da sua carreira não ter decolado se vê obrigada a trabalhar na empresa do meu avô que ela tanto critica por basicamente ser uma das muitas responsáveis pelo desmatamento.
Eu vivia com ela, tínhamos uma boa relação apesar dela me culpar por estar presa nesse relacionamento instável com Lester e precisar "ajudar a destruir o mundo" trabalhando na empresa do meu avô para me sustentar. Pois é, o meu pai é rico mas desde que saiu de casa pela última vez há 7 anos, sumiu de nossas vidas e levou seu dinheiro junto.
É por isso que estou com tanta raiva, é por isso que estou tão triste, respiro fundo e fecho os olhos sentindo eles queimarem. Depois de tanto tempo, ele simplesmente voltou e quer recomeçar com a pessoa que ama. Acho que sofrer um acidente de carro colocou as coisas em perspectiva para ele. O ruim, é que minha mãe aceitou mais que feliz essa palhaçada, e os dois resolveram me mandar para um internato para não atrapalhar sua reconciliação.
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Me sinto mal por admitir isso, mas o internato não é tão ruim, sua temática de acampamento focado em mitologia grega é curiosa porém surpreendentemente  acolhedora e organizada. Eu esperava um internato super rígido e cheio de delinquentes, talvez um ar sombrio e misterioso, mas o espaço aberto e o sol aquecendo minha pele me faz pensar que aqui poderia ser um lugar para férias.
Termino de guardar meus pertences e observo meus colegas de chalé, essas pessoas acabaram no chalé de Apolo por causa de um teste de personalidade, basicamente seu chalé é decidido de acordo com um teste de personalidade inspirado na mitologia grega, me pergunto se me considerariam uma pessoa alegre o suficiente para estar nesse chalé se soubessem o que se passa na minha cabeça.
Depois do Austin, meu irmão, devemos chamar os colegas de chalé assim, estou achando esquisito, parece que entrei em alguma ceita. Mas enfim, depois dele ter feito um tour pelo acampamento comigo e me apresentado  a algumas pessoas, a concha soou indicando o jantar. Me servi e sentei em uma enorme mesa com o restante do meu chalé, enquanto meus irmãos falavam de um assunto que não me interessava muito, comecei a observar a mesa dos outros chalés.
A mesa de Ares é bem barulhenta e tem uns caras bem musculosos, nota mental "não arrumar briga com eles". O chalé de Afrodite está cheio de gente que não larga o celular nem para comer, alguns se filmam, devem ser aspirantes a influencers ou sei lá, mas tenho que reconhecer que tem muita gente bonita. No chalé de Atena tem uma garota loira lendo um livro grosso enquanto seus irmãos conversam animados sobre algo, acho que ela levou a sério seu personagem. Observo os demais chalés e não me surpreendo muito, mas ao olhar a mesa do chalé de Hades, quase solto um risinho ao ver tanta gente de preto, os estilos variam um pouco de emos, rockeiros, góticos, talvez punks, porém a maioria parece atender ao estereótipo esperado desse chalé, só alguns que não parecem ligar para isso, mas suas personalidades parecem ser reservadas e não são barulhentos como alguns chalés, e no mesmo instante em que esse pensamento cruza minha mente, vejo um garoto que segue o estilo mais rockeiro soltando uma linda gargalhada, ele passa a mão pálida no cabelo negro e sedoso e sorri balançando levemente a cabeça em negativa para a garota a sua frente, ela foge do estereótipo usando um vestido amarelo em meio a toda aquela escuridão e seu cabelo volumoso em tom de mel contribui para isso, é bem bonita, mas de todas as pessoas que observei até agora, esse garoto sorrindo é o mais bonito e interessante para mim, eu preciso saber quem é ele.

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