PRÓLOGO

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Acredito que desde antes dos meus avós e bisavós, aquelas paredes sempre estiveram ao redor de todas as casas e quartéis, bloqueando raios de sol e sendo culpadas por eliminar qualquer esperança de um dia assistir fenômenos que, agora, eram descritos apenas em livros. E isso parecia tão errado.

Tanto minhas primeiras palavras quanto as de amigos próximos tinham uma similaridade assustadora: o nome do ditador de Tartarus, Cho Seungho. Pude aprender o nome dos meus pais apenas após conseguir dizer corretamente o nome do militar, sem gaguejar. Ao entrar na adolescência comecei a me sentir curioso sobre o motivo de morarmos ali, não me parecia certo ─ tampouco natural ─ que meus pais dormissem em camas diferentes todas as noites, e, secretamente consegui fazer minha mãe revelar o motivo.

Grotesco.

Eles nunca se amaram.

E você pode me dizer que casamentos arranjados são parte da história humana, mas não dentro de Tartarus porque aqui, tudo é científico. Regularmente montam classes com os anos de nascimento registrados perfeitamente nos arquivos governamentais, e com essas classes instruem estudos malucos para calcular o nível de compatibilidade sanguínea, intelectual e corporal de cada casal. Aqueles que se recusassem a aceitar o par designado eram prontamente desligados em frente de milhares com balas ricocheteando as carcaças já cansadas.

Sim, mortos. Esse seria o destino dos meus pais.

Não apenas isso, mas as datas de casamento e concepção, todas eram marcadas por departamentos pois não poderiam haver super lotações nas cidadelas ao redor de indivíduos não planejados, e qualquer criança nascida fora desses planos era confiscada sem qualquer justificativa e condenada ao que chamávamos de Purgatório.

Crianças não planejadas, criminosos, suicidas, até mesmo apaixonados iriam para lá receber tratamentos, e conforme seus resultados poderiam escolher entre se tornarem soldados, ou retornar para a vida fora das paredes brancas. Me pergunto apenas como seria possível curar alguém que apenas não concorda com algum parágrafo das leis.

Era o que se passava em minha cabeça ao olhar o quarto do meu melhor amigo inundado.

─ Porra, só pode ser brincadeira! ─ Sihyeon passou por mim para adentrar o local coberto pela água e cacos de vidro, isso fora algumas aparentes marcas de sangue. Ele tinha sido levado. ─ Wooyoung, não fica parado aí, me ajuda.

Despertei do transe e corri em direção ao banheiro para que pudéssemos tentar cobrir o cano do chuveiro usando toalhas; ela me deixou ali para fechar o registro de água e energia, então ficamos presos em um silêncio sufocante olhando os panfletos no chão. Uma característica de quando uma intervenção era feita, panfletos propagando o governo transparente e puro de Tartarus em contraste com cenas aterrorizantes como aquela, o apartamento dele coberto de claros sinais de luta.

─ Ele não fez nada... Você sabe disso, ele sempre tentou parar nossas conversas quando ficavam perigosas demais, e era ele que me segurava pra não brigar então... por quê? ─ As palavras saíram fracas pela minha boca.

Yeosang era a melhor pessoa que já tive o prazer de conhecer, e admitir isso sem ter o sorriso idiota dele era péssimo. Aquele panaca nunca dizia nada a respeito da situação deles, enquanto eu era um maluco que questionava toda e qualquer lei, ele simplesmente tentava mudar de assunto e nos arrancar um sorriso com as piadas ridículas.

Nunca vi ele nervoso, talvez frustrado, mas nunca ao ponto de deixar seu apartamento naquele estado.

Dessa vez, foi Sihyeon quem me consolou em seus braços enquanto minha boca clamava para que tudo fosse engano. Por que motivo uma pessoa tão pura seria mandada pra lá? Por que Yeosang, afinal?

─ Gente, vocês não vão acreditar, mamãe conseguiu aquele açúcar caríssimo e fez uns doces pra gente... ─ A voz grave de Mingi sumiu ao perceber o quarto, mas pra ele não demorou muito já que logo a cesta de doces estava no chão, e suas mãos, agora livres, ocupavam o espaço em frente aos lábios. ─ Diz que tá brincando, Woo...

Quebrado, apenas balancei a cabeça.

Dessa vez, também queria ser odiado por eles graças a uma piada sem graça, mas infelizmente era verdade.

Tínhamos acabado de perder a peça mais importante para manter o relógio funcionando, e eu tinha certeza que não iria demorar muito para que todas as engrenagens ficassem loucas.

Tartarus: Erga OmnesOnde histórias criam vida. Descubra agora