Ele olhou para a menina e não teve reação. Caio o encarou, como se esperasse por alguma atitude, mas Ugo permaneceu alguns segundos parado, até a garota falar outra vez:
— Você deveria estar no trabalho cobrindo a minha folga.
— No... Trabalho?
A estranha olhou para ele sem entender e riu em seguida, com deboche. A goma de mascar aparecia vez ou outra enquanto ela falava.
— Que cara é essa? Bebeu demais ontem e esqueceu da vida?
Ugo aproveitou a oportunidade.
— Acho que sim, apaguei ontem. E acho que bebi muito, porque eu não sei nem para onde tenho que ir – mentiu, tentando coletar informações sem se expor. Forçou um risinho tentando tornar o comentário descontraído.
A jovem riu, estalando uma bola amarelada berrante que lançou no ar um cheiro emborrachado de banana.
— Acho bom você ir logo ou sua cabeça vai rolar. Até parece que você não sabe o quanto o Malaquias é tirano.
— Certo, o... Malaquias. Eu irei – respondeu, automaticamente.
— Vai mesmo, senão o coitado do Leonardo vai ficar sobrecarregado, e você sabe o quanto ele tem medo do velhote.
— O velhote, você diz... é esse Malaquias, né?
— E quem mais, Ugo? Ai, o que há com você? O que ele tomou, hein? – ela virou para Caio, que fez uma expressão de incerteza, não respondendo ao erguer os ombros.
— Pode deixar que eu vou aparecer lá.
Caio assistia à cena intrigado. Pairava uma anormalidade, embora a menina à frente deles fosse superficial demais para notar. Estava mais preocupada em manter as pontas alouradas do cabelo e uma espiral, no fim de um rabo-de-cavalo cuidadosamente arrumado.
— Te vejo por aí – ela disse, virando sem dar tempo de resposta aos dois.
Enquanto ela se afastava, Ugo ficou imóvel. Estava deixando escapar a oportunidade de saber algo acerca de si mesmo, sua chance real de obter informações. Ela o conhecia. O que mais poderia saber sobre ele?
Mas por algum motivo ele não ensaiou nem mesmo um passo. Existia uma força maior, uma sensação tenra que o fez preferir ficar ao lado de Caio. Gastou um tempo em transe, vendo a garota desaparecer em uma das esquinas movimentadas, até ser trazido de volta pela voz de Caio.
— Está tudo bem? Você pareceu meio desconfortável com ela...
Droga.
— Está tudo bem sim – respondeu, incerto de que convenceria o menino.
— Se você tem que trabalhar a gente anda um outro dia, sem problema.
— Depois eu vejo isso. Se você pode tirar um intervalo do seu trabalho, ainda mais no meio desse turbilhão, eu também posso – disse Ugo, desejando saber de fato qual era o seu próprio emprego.
Caio sorriu de leve e os dois retomaram o passo sem qualquer pressa. Um sol generoso banhava as fachadas seculares, boa parte delas deterioradas pelo tempo. Era quase uma regra em Gamboa dos Portos: se as casas e prédios não exibiam rachaduras e tintas descascadas, certamente estariam manchados com sujeira ou pichações. A arquitetura da ilha era um museu a céu aberto, esfregando uma história de ares decadentes para quem quisesse – e não quisesse – ver.
— Sabe, Caio, eu fui até a Pistache, antes de tudo, para pedir desculpa pela forma como eu te tratei. Ainda que você tenha invadido a minha casa.
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Pistache
FantasySINOPSE: Ugo é um jovem de vida boa. Rico, desfruta de uma praia particular em sua ampla casa de dois andares, em Gamboa dos Portos, uma ilha minuciosamente moldada pela natureza. Formada por uma impressionante cadeia de montanhas e águas de um azul...