Capítulo 10 // O Bastão Lacrimal

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As luzes dos postes criavam silhuetas duras dos pistacheiros no chão de terra batida, salpicada com uma folhagem seca. Naquela noite, além das árvores, outras duas sombras estavam marcadas no chão. Uma era de Ugo que, assustado, olhava fixamente para um rapaz a poucos centímetros de si. De cabelos castanho-escuros, curtos e levemente ondulados, o menino o encarava de volta com olhares que expulsavam ira.

Ugo ensaiava dizer algo, mas foi interrompido com um empurrão inesperado. A força investida contra ele o jogou no chão, ele sentiu a terra e algumas pedrinhas rasparem nos cotovelos.

— Eu não gosto de você de jeito nenhum! DE JEITO NENHUM! Por que você não some? – berrou o garoto.

Por um instante Ugo achou que o jovem iria se lançar no chão para socá-lo. Mas o garoto passou por ele, a passos firmes.

Era Diego.

A humilhação era inevitável e tinha gosto de poeira. Lágrimas quentes e brilhantes rolaram pela face. Quando acordou, agitado, Ugo percebeu que o rosto estava seco.

Fora um sonho.

— Sabia que ele não era uma pessoa boa – disse baixinho, com uma certeza que não sabia de onde vinha.

Mais um sonho onde tenho os dois braços.

Iara, que estava na varanda tomando notas no mini bloco, voltou para o quarto ao perceber a movimentação.

— O que foi, Ugo?

Ele a encarou, olhando ao redor em seguida, e quando se certificou de que estava em seu quarto, respirou aliviado.

— Outro sonho, mas como da outra vez, foi tão real... – Ele constatou.

— Então são memórias? – Iara perguntou.

— Acho que sim – ele respondeu, surpreso por não ter ponderado antes.

— O que foi desta vez? Algo relevante?

— Não... Só uma briga com Diego, para confirmar que ele é mesmo um babaca e que não gosta de mim.

— Não é só uma briga, Ugo. Se é uma memória, então você já conhecia o Diego.

Ugo apertou as sobrancelhas, confuso.

— Será?

— A não ser que seja mesmo só um sonho, produto do que tem acontecido nesses dias.

— Não... É uma memória. Eu lembro perfeitamente. Foi real... Mas o porquê ou de onde eu conheço o Diego já é pedir demais da minha cabeça.

— A mente prega truques, temos que ficar vigilantes. Isso pode ser reflexo de uma noite mal dormida. Você custou a pegar no sono. Sei disso porque eu mesma não consegui. Passei a noite toda acordada, pensando – ela guardou o bloquinho no bolso, foi até a escrivaninha e pegou um livro, O Mistério da Província, e jogou sobre a cama. Ele caiu com a contracapa virada para cima. – O que me distraiu um pouco foi esse livro. Sabia que a autora mora aqui em Gamboa dos Portos?

Ugo pegou o objeto, sem grande interesse. Visualizou a foto da mulher de meia idade na segunda orelha, o cabelo curto na altura dos ombros, uma feição esnobe.

— Valentina Moreira? Não reconheço, para variar – e deu de ombros, jogando o livro para o lado, que caiu no chão.

Ele retirou o lençol que o cobria e ficou de pé. Dormira com a mesma roupa do dia anterior.

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