Amanda
Em mais um dia quieto e pacífico, a pequena loja de conveniência se aninhava na tranquilidade do cotidiano. Amanda, deixando o balcão, deslizou até a cafeteira para preparar um café. Enquanto o fazia, apoiou-se na mesinha e contemplou, através da modesta janela, o terreno vizinho à loja. O aroma quente e acolhedor invadiu o recinto. Ela serviu o café em uma xícara verde de porcelana e caminhou até a estante de livros ao fundo da loja. Seus dedos dançaram sobre as lombadas até repousarem em uma antologia de poemas sobre um amor perdido, iniciada na noite anterior. Saboreando o café, ela retornou ao balcão, os olhos fixos na obra aberta.
Subitamente, a chuva começou, e Amanda, ao sentar-se para mergulhar na quietude das palavras, foi atraída pelo som das gotas. Seu olhar encontrou uma silhueta conhecida buscando refúgio sob o toldo da casa oposta. Seu coração hesitou. Aquela figura, pálida de cabelos ruivos, ela a reconheceria mesmo a quilômetros de distância. Era Júlia?Seria uma ilusão? Três anos haviam se passado desde que viu Júlia pela última vez, e a surpresa foi tamanha que duvidou de sua própria visão. Júlia, costumava visitar a cidade para o aniversário da avó, ela nunca permanecia mais que dois dias. E então durante três anos não retornou.
Quando Júlia retribuiu o olhar, Amanda desviou o seu rapidamente, o rosto incendiado por um turbilhão de emoções. Uma onda de nervosismo a inundou, paralisando-a. Tentou focar-se nas palavras do livro, mas as letras dançavam sem sentido diante de seus olhos. O tempo parecia congelar, e ela se viu incapaz de fazer algo além de segurar o livro trêmulo em suas mãos.
Com um sopro de coragem, ela ergueu os olhos novamente, mas Júlia havia desaparecido. A rua jazia deserta, como se a presença de Júlia fosse apenas um fragmento de sua imaginação. Fechou o livro, o som suave do encontro das páginas ressoando em seu peito, e suspirou o ar que estava preso. Três anos... três anos sem aquela sensação de que o ar teria sido roubado de seus pulmões, de sentir que seus pés e sua boca tinham sido colados com super cola, três anos de um sentimento adormecido, três anos de silêncio, mas aquele breve vislumbre reacendeu o sentimento em seu coração.
O que você está olhando?- A voz súbita do seu irmão sobressaltou Amanda, arrancando-a de seu devaneio fazendo perceber que ficou por tempo demais olhando para um ponto aleatório, tão fora de si que nem o viu chegar.-O que foi? Vcê viu um fantasma?- Ele brincou, abraçando-se em um gesto teatral e exagerado de medo.- Mamãe mandou dizer para você fechar a loja e ir para casa. Ela disse que, com o movimento fraco, você deveria voltar, "lá não é quente o suficiente, e Amanda não sabe fazer sopa para se aquecer',"- ele imitou a mãe.
Amanda riu com a imitação e assentiu, embora desejasse permanecer ali por mais tempo, para ter certeza de que Júlia havia realmente voltado. Mas sua natureza introspectiva a impedia de recusar. Assentiu novamente e Pedro abriu o guarda-chuva e partiu correndo.
Ela esperou mais alguns minutos antes de iniciar o ritual de fechamento da loja. Procedendo mais lentamente que o usual, ao baixar o portão, demorou-se ainda mais ao girar a chave, lançando um último olhar à janela da casa de Júlia, na esperança de vislumbrar uma sombra, mas nada apareceu.
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Meus Sentimentos Só Serão Visíveis Na Chuva
RomanceUm romance inspirado no Dorama "Quando o Tempo Estiver Bom", conta a história de uma jovem de 23 anos que cansada da agitação e da rotina pesada que uma cidade grande oferece, resolve voltar para uma cidadezinha no interior, em busca de refúgio, e d...