.

3 0 0
                                    

Os passarinhos cantavam sem parar no ninho que ficava no teto de sua casa. Um lembrete de que já era manhã, uma luz fraca e amarelada saía de uma das frestas da janela e pintava a parede branca do quarto. Júlia forçou-se a manter os olhos abertos. Novamente, não tinha tido uma boa noite de sono, acrodou meia dúzia de vezes durante a noite. Finalmente reuniu força, levantou-se e ficou sentada na cama por alguns minutos, esperando sua alma voltar para o corpo.

Esse era um dia diferente dos demais. Júlia levantou-se calmamente, lavou o rosto e trocou de roupa, colocou um casaco e foi até o mercado. Voltou com uma sacola pendurada no braço esquerdo contendo pães, e no braço direito uma sacola com ovos e suas duas mãos seguravam um bolo de laranja coberto com um glacê de açúcar.
Montou a mesa, fritou alguns ovos e até se aventurou a fazer um café, que não ficou bom; ela nunca sabia a quantidade certa de café, que sempre ficava forte demais ou aguado. Sentou-se e preparou seu pão com ovos, se serviu com uma fatia generosa do bolo de laranja e até suportou o gosto horrível de seu café. Naqueles quatro anos, aquele foi o primeiro café da manhã decente que teve.

Depois do café da manhã, saiu novamente, dessa vez apenas com seu guarda-chuva em suas mãos, e foi até a padaria onde trabalhava. Ao chegar, avisou ao seu patrão que não iria mais trabalhar e saiu. Todos ficaram surpresos com a frieza com que ela deu a notícia. Saindo de lá, caminhou até a universidade, foi até a reitoria e solicitou o trancamento do curso.
Júlia não tinha expressão alguma; ousaria dizer que nem mesmo um pensamento passava pela sua cabeça. Parecia um robô, andando de forma automática. Então, finalmente voltou para casa, abriu seu guarda-roupa e começou a fazer sua mala.

Na noite anterior, Júlia decidiu visitar sua avó mais cedo naquele esse ano, e ficar com ela por tempo indeterminado. Não tinha certeza se isso era o certo a se fazer ou mesmo se isso poderia acabar com seu futuro. Mas ela também não queria saber; apenas queria fazer isso e o faria, independente de qualquer coisa. Comprou a passagem só de ida e foi até o ponto de ônibus que a levaria até a rodoviária. E, com um misto de medo e excitação, Júlia partiu de volta para a cidade onde morou por tanto tempo, lugar onde estavam impressas todas as doces lembranças das viagens que fez quando criança com seus pais para visitar sua avó, assim como as amargas lembranças de quando teve que morar com ela após o terrível acidente.

Meus Sentimentos Só Serão Visíveis Na ChuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora