Memories - Soraya e César

Capítulo 2: Confusão (Parte I)

César e eu somos bons colecionadores de memórias. Complementamos os detalhes das lembranças um do outro, de modo que nossas vivências perduram em nossas mentes e em nossos corações como se os anos simplesmente não passassem. Como se estivéssemos juntos desde sempre. Sou absolutamente incapaz de descrever a minha vida antes de sua chegada, que trouxe tanto sentido a minha existência.

César me fez confidente, namorada, noiva, esposa, mãe… me fez e me faz feliz, dia após dia. Costumo afirmar que sempre fomos destinados ao pertencimento mútuo. Mas devo confessar… eu já dei um pouquinho de trabalho para o pobre homem! Nem sempre fui a Soraya que sou hoje, segura de mim mesma, tratada, medicada e ponderada. Detesto admitir, mas já tive minhas fases de ciúme excessivo.

– Soraya, você lembra que nesse dia eu dei uma carona pra Diana de moto e você jurou de pés juntos que eu estava te traindo bem em baixo do seu nariz? – César relembra com uma polaroid em sua mão direita enquanto estamos acomodados sobre a cama, ainda no quarto de Bernardo. Meu marido está sentado com as costas apoiadas na cabeceira com um de seus braços sobre minha barriga e eu estou posicionada confortavelmente entre suas pernas, tendo seu corpo como apoio para minhas costas. A caixa recheada de registros fotográficos se encontra em meu colo, minha mão esquerda acaricia seu braço ao meu redor, e juntos compartilhamos lembranças, em um clima leve e nostálgico.

– Oh meu Deus… eu lembro. Lembro sim. – respondo. Pressiono minhas pálpebras e escondo o rosto em vergonha pela minha conclusão absurda na época – até hoje fico envergonhada quando lembro. Nossa Senhora, como pude?! A coitada da Diana, teve que escutar cada coisa… – recordo com uma risada fraca, escondendo-me cada vez mais em seu peito. Minha voz soa abafada pois meu rosto continua coberto por minhas mãos, com toda a vergonha que me atingia.

– Foi a primeira vez que eu vi você virando onça pra valer na vida! – exclamou em meio a risada intensa – Na época em que aconteceu nós estávamos juntos há quanto tempo? Fazia pouco ainda.

– Para de rir, César! – peço em vão dando um tapa em seu ombro enquanto me rendia ao riso também – Eu lembro que você sofreu tanto, tadinho. Nem minha mãe poupou você da bronca! Foi bem lá no início, éramos bem novos. Já nem reconheço mais aquela Soraya, não sei como é que você não me deixou! Chances não faltaram.

– Eu sempre fui louco por você, dona onça. Nunca que eu ia te deixar! O bom disso tudo é que nós evoluímos juntos! Eu também já tive fases de ciúme, você sabe… mas de tudo isso nós aprendemos um com o outro e nos tornamos melhores – meu marido declara com ternura, retirando as mãos do meu rosto e afastando uma mecha de cabelo que caía sobre meus olhos – mas a sua expressão quando soube de tudo foi impagável, tinha que ver a sua cara! – concluiu após uma pausa, caindo na risada novamente. Não pude evitar e acabei rindo também.

Hoje lembramos do ocorrido com bom humor, mas na época o clima não foi nem um pouco agradável. Eu costumava reagir a algumas coisas de forma impensada, cedia aos impulsos. Detestava perder o controle das situações. Infelizmente, uma má interpretação pessoal pode gerar um caos enorme, principalmente quando não consideramos ouvir os pontos de vista das pessoas envolvidas. E foi exatamente o que eu fiz, com a cabeça insegura e a maturidade que tinha na época… aos 19 anos de idade.

[Flashback on]

Campo Grande, 21 de agosto de 1992.

Quinta-feira.
07:50h.

Nunca fui muito fã de alta velocidade, mas aqui estou eu, na garupa de uma motocicleta, com os braços ao redor do abdômen do piloto a minha frente, agarrando fortemente onde posso alcançar em uma tentativa de não cair. O homem alto, vestindo calças jeans e um casaco de couro preto, também conhecido como meu namorado, Carlos César, me conduz até o local do meu compromisso. Uma garotinha de 13 anos chamada Jully me aguarda para sua aula particular de inglês. Se minha mãe, dona Ilda, por acaso visse sua filha em cima de uma moto há algum tempo atrás, com certeza teria um ataque do coração! Bom… ela realmente surtou, mas aprendeu a lidar.