"Olhos vidrados. Como farei para chegar até você?"
Stary Eyes - Cigarettes After Sex
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HUALING
O tom avermelhado que saía pela lata de spray preenchia o esqueleto do grafitti na mureta. "ZINE", a tag que uso a anos se formara no local. Essa não é a primeira vez na noite que eu gasto minhas tintas para enfeitar a cidade, três latas vermelhas já se foram, é a cor que mais uso, diria que é uma das características mais marcantes das minhas artes.
Ao dar os toques finais em minha mais recente obra, vou de encontro a Denis e Russ que conversavam encostados numa grade. Conheço muitas pessoas e sou chegada na maioria, mas eu diria que entre todas elas, esses dois são meus manos mais próximos. Estamos juntos na quadra de basquete, na pista de skate, nas ruas de madrugada rabiscando tudo quanto é canto e até mesmo pulando entre os muros.
Denis possui um tom de pele amarelado e seu cabelo curto e bagunçado é totalmente loiro. Seu pescoço e parte de seu peitoral são revestidos com placas e peças de metal, isso por causa de um acidente que o mesmo sofreu durante a grande guerra. Sua casa foi bombardeada e o garoto perdeu o pai e a irmã mais nova no dia. Isso foi logo no começo de todo aquele conflito, ele era muito novo para lembrar de tudo com clareza. De acordo com o mesmo, a última coisa que lembrava antes de acordar numa cama de hospital com pedaços de aço pelo corpo era de um clarão muito forte. Acho que dá para se dizer que ele é um cyborgue.
Apesar da experiência traumática, Denis nunca me parece realmente triste, sempre faz piadas em qualquer situação que estejamos e ri de coisas de que não deveriam ter a menor graça. Já Russel é praticamente o oposto do loiro, ele tem a pele escura e seu cabelo é preto, com dreads de pontas avermelhadas, uma tatuagem de tamanho médio no canto direito do rosto e nenhuma parte robótica no corpo. O mais velho parece estar sempre bolado com alguma coisa, anda de cara fechada e mantém uma postura com marra. Do meu ponto de vista, tudo isso não passa de aparência, apenas para intimidar os outros, chega a ser engraçado.
Hoje tivemos a sorte de conseguir subir no terraço de um prédio, o mesmo se localiza numa área não tão pobre da cidade, diferente da região onde moro. Às vezes é bom passar o tempo num lugar como esse, não apenas para grafitar, mas também para ficar até tarde bebendo e conversando sobre qualquer coisa com esses dois, mesmo que seja banal, coisa que na maioria das vezes é. Além da vista maneira que tem por aqui, da qual nos permite ver ao longe nesse horizonte de concreto.
Ao me ver aproximando, o moreno que estava discutindo com o loiro sobre algo que, até então, eu não havia prestado atenção, se pronuncia - Ling, chega aí. - Ele estende o braço para alcançar meu ombro e me puxa para perto, me usando de apoio. - Diz pra esse cara que não se come o papel que vem em volta do panetone.
- Como é que é? - O assunto me pegou de surpresa. - Vocês estão falando daquele plástico que ele vem dentro?
- Não, tô falando daquela casca de papel que vem em volta, o cara tá achando que é comestível - Russ dá continuação à sua fala apontando para o mais novo com o polegar em meio às risadas.
- Porra, eu to dizendo que é! - O garoto meio robô se defende.
- Mas aquilo se come também, cara. - Me pronuncio, ficando ao lado do loiro.
- Nem fodendo. Você também come aquilo!?
- Como. - Respondo meio confusa, realmente não estava entendendo a revolta do rapaz.

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A Lebre
RomanceUm romance que se passa num distópico futuro pós-guerra, onde Katherine Krasotkin, uma assassina profissional que usa uma máscara de coelho para esconder sua real identidade, ex-soldado, envolvida com tráfico e lavagem de dinheiro e Qin Hualing, uma...