A gente precisa conversar

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Tiffany estava tentando agradar Nica. Nos primeiros dias ela conseguiu. Nica a elogiava às vezes e parecia mais feliz que dias atrás. Mas ontem ela sorriu menos e hoje fechou a cara.

— Nica, o que está acontecendo?

— Nada, por quê?

— Você parece tão distante.

— Ah, problemas de mulheres, você sabe como é.

Isso confortou Tiffany. O problema não era ela afinal.

Mas Nica tinha sim um problema e com certeza era Tiffany Valentine. Ela tinha na balança tudo o que aconteceu de bom e ruim desde que a mulher chegara em sua vida. A parte boa não existia. Se Nica fosse realmente sincera consigo, Tiffany a tinha feito se sentir bem na cama, e é isso. A parte ruim era uma extensa lista, desde a morte de sua família até possessão.

Nica ainda quis ajudá-la de vez em quando, mas não tomava sempre a iniciativa, mesmo que quando fosse pedida pra ajudar ela fazia de bom grado. Tiffany achou que ela precisava de um tempo sozinha de vez em quando, então quando ela estava mais reclusa, Tiffany se limitava a respeitar esse tempo.

— Queria ver algo que não fosse da Jennifer Tilly — diz Nica passando filme por filme na tv. Nos últimos minutos ela parecia um pouco mais sociável com a mulher. — É estranho olhar pro lado e ver ela ao mesmo tempo que não é.

— Se procurar bem tem. Algum tem. Não tenho só filmes dela. Chucky dizia isso porque não achava nenhum outro que o interessava. Deixa eu ver — ela pegou o controle da mão de Nica.

Tiffany procurou e achou. Ela e Nica estavam na sala enquanto comiam a pipoca que Tiffany havia feito.

Tiffany às vezes olhava para Nica e a encontrava concentrada no filme. Nica fazia a mesma coisa, observando a tela e a mulher pela visão periférica.

No meio do filme, apareceu uma cena entre duas mulheres. Tiffany ficou levemente incomodada achando que Nica estaria, mas a olhando percebeu que Nica nem ligou, parecia até estar apreciando.

Em nenhum momento do filme elas trocaram palavras. Comeram toda a pipoca e olharam todo o filme num silêncio confortável.

Quando terminou, Tiffany foi lavar a louça. Nica não alcançava na pia com a cadeira, então ficou ali sem fazer nada.

— Eu queria adaptar essa casa pra você. Sabe, móveis e armários mais baixos. Sei que gosta de cozinhar também.

— É uma boa ideia. Vou ter mais o que fazer nessa casa se puder alcançar em todos os lugares.

Tiffany podia sentir uma leve pitada de sarcasmo na voz de Nica, mas quando a olhou sua expressão não mostrava isso. Tiffany deve ter apenas imaginado.

— Você cozinhava antes?

— Sim. Ajudava minha mãe em várias coisas. A casa sempre foi adaptada pra mim, então eu podia fazer as coisas. A última vez eu cozinhei foi com a Alice.

Tiffany podia ouvir tristeza em sua voz, mas seu rosto permanecia neutro. Pelo menos até Nica a olhar uns segundos depois com uma lágrima solitária descendo seu rosto.

— Desculpe, não sabia que era um assunto delicado.

— Tudo bem. Lembrar dela nem sempre é doloroso.

— Minha mãe sempre me disse que lembrar de uma pessoa que você ama traz mais felicidade pro coração. Talvez seja bom falar sobre ela.

— Acho que não pra você.

Tiffany se calou por um instante.

— Já pensou no que vai fazer depois que se separar dele?

— Não — mentira.

— Você tá com medo de fazer isso?

— Não — outra mentira. — Confio que tudo o que eu quero vai dar certo. Tem que dar.

— E se não der? Não estou sendo pessimista, é só uma possibilidade.

— Se não der eu tô mais fodida do que imagino. Provavelmente morta e com um Chucky rindo vitorioso.

— Não se preocupe. Vai dar certo. Já falei com umas pessoas. Tá tudo se resolvendo.

— Que pessoas? Não me falou o que a gente vai fazer.

— Me desculpe mas não vou arriscar. Ele dentro de você sabe muito mais do que a gente imagina. Sei que concorda comigo e confia quando digo que vai dar tudo certo.

Nica queria saber mais mas não insistiu. Os três sabiam que Nica e Chucky tinham uma conexão confusa e imprevisível. Como Nica conseguia sentir às vezes mesmo estando presa em sua mente, Chucky poderia estar assim também, consciente até certa parte.

Depois de uma tarde quase silenciosa demais, Nica e Tiffany estavam no quarto, cada uma num canto fazendo suas coisas. Não que Nica tivesse muito o que fazer, mas ultimamente pequenas coisas a distraiam.

— Eu tava pensando em sair um pouco, o que acha? De noite, claro, não posso ser vista com você na rua. Mas...

— A gente precisa conversar — diz interrompendo Tiffany, que se cala e a olha. — Eu não queria ter que dizer isso agora que temos um plano, mas preciso limitar algumas coisas.

— Tudo bem, Nica. O que você quiser. Pode falar.

Tiffany se senta ao lado de Nica na cama. Ela sorria para Nica, mas ela não sorria de volta.

— A gente precisa acabar com isso.

Agora sim o sorriso se desfez.

LuxúriaOnde histórias criam vida. Descubra agora