capítulo 2

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Os corredores repletos por fotos de infância, os sorrisos estampavam o cômodo em que Lisa estava, agora jurando escapar na primeira oportunidade que tivesse, odiava visitas e seu preconceito disfarçado de pena, dó. Ela não precisava daquilo... Seus pais pelo contrário, estavam animados com a visita de seus amigos de longa data, estes que vieram diretamente da França, os odiava, seu falso sotaque, sua falsa cultura, tailandeses com trejeitos europeus, pura hipocrisia.

Aquela tarde estava fadada ao fracasso, mas o que podia fazer além de ser parte desse grande circo com palhaços fantasiados com mentiras fúteis? Não era hora de usar seu humor mas a única frase que lhe corria pelos pensamentos era, "Aguente calada".

Velhos supérfluos agora falavam sobre viagens e ideologias de mercado, teses baratas a preço de banana, só conseguia se imaginar saindo pela porta e correndo pelo campo, ela não precisava de um rumo, razão nunca foi necessário, na ausência delas a vida lhe guiaria, concluiu quando ainda criança ao notar que não tinha culpa pela mudez que completava seu doce charme.

– Lisa está indo bem em seu novo colégio, já fazem meses que se instalou por lá.

" Meses, mamãe? Se estou lá a tanto tempo não pode chamá-lo de novo, anta de cabelo queimado. "

As vezes ela acreditava que sua incapacidade de falar esse tipo de coisa era na real, um presente divino, Deus seria louco de dar asas para cobras? Provavelmente estaria morta em seu quarto caso dissesse o que pensava. O eco de suas risadas soavam pelo vácuo de seu coração, fechou os olhos e gritou intensamente para que apenas seu coração escutasse.

Por um instante, inclinou sua cabeça para o lado e abriu seus olhos, o mundo não era tão feio, podia admirar certas características, como a casa amarela na esquina de sua rua, o cachorrinho que sempre encontrava no parque, o cheiro de pão doce na padaria de frente para sua casa e bem, ela...

Jennie.

Eu conseguia imaginar, mesmo de olhos abertos, a última vez que passei em frente à escola de ballet D'blak que fica em frente ao parque. As grandes paredes de vidro me davam uma visão privilegiada de seus cabelos presos com apenas duas mexas caindo ao lado de seu rosto enquanto ela girava de forma suave sendo apoiada no chão apenas pelas pontas de seus pés.

Os olhos fechados, lábios entre abertos, a roupa de treino preta e sua concentração fora do comum foram as coisas que me prenderam ali por alguns longos minutos junto de outras menininhas queria fazer parte daquele lugar. música clássica nunca foi meu forte...  mas naquele dia eu lembro de ter ouvido duas garotas gritando animadinhas e dizendo "ela deve dançar lago dos cisnes" desde então ouvi todas as músicas que podia.

— E como está sua adaptação? — o homem olhou em minha direção e eu tratei de ajeitar minha postura esquecendo os pensamentos que por um instante me levaram para longe demais.

  — Lisa está tendo ótimos profissionais a acompanhando agora, na nova escola eles sabem a língua de sinais. — minha mãe falou por cima de mim, o que não era difícil já que naquela sala somente meus pais iria compreender quando eu erguesse as mãos e movimentasse meus dedos em movimentos específicos.

  — Isso é ótimo, querida. — a mulher colocou sua mão em meu joelho e sorriu me oferecendo um olhar já conhecido por mim, me fazia voltar pra dentro de minha caixa e apenas fingir que eu já não estava mais ali.

Mal podia contar os minutos para que Jisoo passasse por aquela porta com seu enorme sorriso e dizendo "vamo, gay?", me sequestrando pra longe daquele olhar assustador.

Acho que nunca fui o tipo de garota de contar meus problemas para alguém, afinal ninguém nunca sequer me perguntou sobre qualquer outro problema que não fosse o fato de não sair nenhum um som da minha boca. Era sempre o mesmo cenário, até eu deixar Roseanne se aproximar da minha vida e anos depois Jisoo entrar no meio sem nem pedir permissão.

— Algum dia vocês deveria ir até a França, comer os doces do Cedric e beber um bom vinho. — e tudo sempre voltava para França e seus encantos de capa de revista.

  — Ah, com certeza. — minha mãe como sempre sorria de orelha a orelha enquanto servia mais um pouco de chá para a visita. — um dia iremos visitá-los.

Espero que esse dia não chegue.

— Chega de irmos à Suíça, já conheço tanto aquele lugar. — ela revira os olhos de forma tediosa e eu me seguro pra não sorrir da forma que ela fez aquilo, ela se gabava tanto das viagens para lá, que havia enchido o corredor do segundo andar com nossas fotos por lá. — não é, querido?

— Sim, meu amor. — meu pai tocou o ombro de minha mãe e beijou sua testa como um casal apaixonado.

— Mas vamos esperar o inverno acabar, não há nada melhor que o bom e agradável inverno coreano, não acham? — Em que assunto eles estavam agora? Ela odeia o inverno.

— Sinto tanta falta da Coréia que as vezes me pego pensando em voltar, mas minha filha iniciou seus estudos por lá e agora temos que apoiar. — a mulher bebeu um pouco de seu chá e eu segui seu movimento com os olhos.

Ela tinha manias esquisitas, sempre subia seu dedo mindinho e fechava os olhos como se tivesse bebendo um vinho especial bem antigo (como sua idade), suas sobrancelhas se enrugavam e quando sorria eu conseguia ver uma pequena mancha de batom em seu dente.

— Lisa, querida. — olhei para meu pai. — busque os biscoitos.

Eu confirmei com a cabeça e me levantei indo até a cozinha, demorei o máximo que pude e olhei para o relógio em meu pulso vendo que já eram 16:30, logo Jisoo chegaria.

— Querida? os biscoitos do forno. — ouvi a voz da minha mãe.

Peguei a bandeja e despejei os biscoitos no prato branco de porcelana, o tempo em que fiz isso foi o tempo em que a porta de casa foi aberta antes mesmo de receber três toques e era óbvio que se tratava dela.

— Oi família. — a voz de Jisoo inundou o ambiente no mesmo instante e eu sorri. — Cadê a Lalalalisa?

— Jisoo, quantas vezes disse que deveria bater antes de entrar?

— Algumas, dona mãe.

Apareço na sala e assim que os olhos de minha amiga repousam no meu rosto, ela sorri bem grande,  levanta a chave com chaveiro da Hello Kitty, indicando que havia mesmo conseguido autorização de seu irmão para dirigir aquela lata velha de 1970 que ele tratava como um filho.

— Vamos? A pequena Alice nos espera.

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