𝗍𝗐𝗈,𝖺 𝗊𝗎𝗂𝖾𝗍 𝗌𝗂𝗉 𝖻𝖾𝗍𝗐𝖾𝖾𝗇 𝗌𝗍𝗋𝖺𝗇𝗀𝖾𝗋𝗌

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Capítulodois .﹚
─── Um gole de paz
      entre dois estranhos.



Seo Gyuri já tinha vivido algumas situações improváveis na vida como; fugir de casa, se envolver em briga pela coisa mais aleatória possível, fugir da polícia por pichar um muro, até mesmo dividir um pacote de biscoito vencido com um gato de rua numa madrugada qualquer, mas servir mesas definitivamente não estava nos seus planos para aquela semana. Nem para a vida toda, se fosse parar pra pensar.

Mas lá estava ela, segurando um bloquinho de pedidos numa mão e um lápis mascado na outra, desviando de cadeiras, entregando cardápios amassados e fingindo que não queria empurrar uma panela quente na cabeça do senhor da mesa dois que reclamava do cheiro da sopa "sem nem ter cheirado direito".

Trabalhar voluntariamente sem salário, ferida, faminta e emocionalmente instável. E nem um mísero uniforme pra fingir que é oficial. Bonito, Gyuri.

Ela respirou fundo, caminhando até a janelinha que ligava o salão à cozinha e deu três batidinhas rápidas na madeira, só pra avisar sua chegada. Colocou uma mão na cintura e apoiou o bloquinho na outra, adotando a pose de garçonete que já tinha desistido de viver.

— Mesa três quer um bibimbap sem gochujang, porque "pimenta mata o fígado", segundo a esposa do senhor que provavelmente bebe soju no café da manhã. E o casal da mesa do canto pediu dois pratos de bulgogi, mas ela quer arroz integral, e ele... arroz frito. — Ela fez uma pausa dramática, arqueando uma sobrancelha. — Com kimchi à parte, pra não "brigar com o estômago sensível". Palavras dele, não minhas. Juro, como você aguenta, ahjumma?

Do outro lado da janelinha, a senhora Ahn Bok-hee mexia uma panela fervente com uma calma digna de um monge. Ela nem levantou os olhos e Gyuri desejou atingir aquele nível de plenitude quando ficar velha.

Se ela sobreviver até lá, convenhamos.

— E você tá mesmo anotando tudo isso ou só veio aqui reclamar?

Gyuri deu um sorrisinho, fingindo ofensa.
— Eu tenho cara de quem anotaria mentira?

— Você tem cara de quem aprontaria sem piscar — retrucou a mais velha, virando-se por fim para encará-la com um olhar afiado, mas com uma certa suavidade por trás.

— Tô me sentindo explorada, só pra constar. — Gyuri apoiou o queixo na borda da janelinha. — Ferida, emocionalmente abalada, com sinais de exaustão... e ainda assim servindo mesa por um salário imaginário.

— Ainda tá viva. — A senhora Ahn deu de ombros com um meio sorriso. — E quando a gente tá viva, trabalha. Ficar vagando perdida por aí só serve pra deixar o pensamento bater mais forte.

Gyuri piscou, calada por um instante. Não por falta de resposta, ela sempre tinha uma resposta, mas porque a frase bateu em algum lugar fundo.

Ela endireitou a postura, estalou a língua e resmungou:
E eu achando que era só mais uma senhorinha rabugenta...

— E eu achando que você era só uma delinquente inconsequente. — Ela rebateu, sem sequer levantar os olhos da bancada. Jogou um pano de prato no ombro, já separando os ingredientes do próximo pedido. — Agora anda, vai buscar a água da mesa cinco. E não esquece de sorrir. Ou pelo menos tenta não parecer que quer matar alguém.

Gyuri bufou uma risada curta, virando de costas com o bloquinho na mão.

— Tsc. Nem sou tão mal-humorada assim...

— É. Só vive com essa cara de quem carrega o mundo nas costas como se fosse responsabilidade sua. — completou a senhora, com a leveza que mais parecia um soco no estômago.

𝐓𝐎𝐌𝐁 𝐎𝐅 𝐓𝐇𝐄 𝐒𝐓𝐀𝐑𝐒, 𝖶𝖾𝖺𝗄 𝖧𝖾𝗋𝗈 𝖢𝗅𝖺𝗌𝗌Onde histórias criam vida. Descubra agora