18. (Não) me deixe só

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"por não ter o que falar eu resolvi cantar
e me calei depressa
se eu ficar nessa, eu posso até desafinar
tudo que me resta
é aparar arestas dessa letra besta

só pra variar
quem me dera simplesmente djavanear
o dólar, o real e a fantasia
bossa nova, nostalgia
sonhar dentro do sonho é despertar
cair em si pra fugir do dó
e se essa for a minha deixa, não

me deixe só, me deixa bem melhor
não me deixe só
me deixa bem melhor, não me deixe só"

– me deixe só; o grilo

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São cinco da tarde de uma sexta e eu estou simplesmente enlouquecendo após ficar quatro horas seguidas tentando escrever alguma coisa decente para a melodia que surgiu na minha cabeça há pouco mais de uma semana. O bloqueio surgiu na segunda à tarde, quando cheguei em casa após as aulas, e ideia de seguir minha intuição ao invés do meu estilo padrão de criação deve ter sido o maior erro da minha vida a essa altura, já que eu não aguento mais, mas não consigo parar.

Enquanto encaro a tela do meu computador com os aplicativos abertos mais uma vez, fico repetindo o que já tenho da letra na esperança de ela se tornar um mantra e o resto surgir na minha mente como um milagre.

Enquanto encaro a tela do meu computador com os aplicativos abertos mais uma vez, fico repetindo o que já tenho da letra na esperança de ela se tornar um mantra e o resto surgir na minha mente como um milagre

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Frustrada por não conseguir pensar em nada, então, cubro meu rosto com as mãos. As pontas dos meus dedos queimam sem parar de tanto eu pressionar as cordas dos instrumentos nos últimos dias, meu estômago parece um buraco vazio sem fim e minhas costas estão cansadas depois das horas e horas que passei andando de um lado para o outro dentro do quarto com o violão, a guitarra ou o contrabaixo pendurado pela alça no meu ombro. Também já busquei inspiração em dezenas de letras diferentes – Clarissa, Djavan, O Grilo, Caetano, de Jão a Conan Gray e de Taylor Swift a Chico Buarque até Cigarettes After Sex –, mas nenhuma parece me dar um suspiro sequer para a minha composição, então apenas reviro os olhos ao ver o erro na palavra "obsessão", o corrijo e fecho todos os aplicativos no computador.

Quando estou prestes a dar play em uma música aleatória para tocar algo sem compromisso, um misto de irritação e alívio me atinge junto com o soar de batidas na porta. Esse é outro som que tenho ouvido sem parar nos últimos dias, visto que Duda tem tentado ver se estou bem desde o domingo à noite, quando comecei a me trancar no quarto sempre que possível. Normalmente, quando desiste, ele deixa alguma besteira em cima do móvel no corredor para que eu possa comer caso decida abrir a porta.

Na segunda, salgadinhos. Na terça, sorvete. Na quarta, por alguma razão, comida de verdade: uma parmegiana de frango. Ontem, por sua vez, eu não consegui simplesmente ignorar a presença de Natasha no pátio, então não vi meu irmão quando cheguei em casa às duas da tarde. Hoje, então, mais uma vez não estou muito no clima de conversa.

— Pode deixar aí Duda, ainda não estou com fome — digo ao me recostar na cadeira, encarando o teto e respirando fundo.

— Seu irmão saiu — a voz que me responde faz com que eu encare a porta no mesmo instante. — Mas ele me pediu pra vir ficar de olho em você.

O que Acontece com as Flores no OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora