Capítulo 1

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1.

Abrir os olhos parecia uma tarefa impossível. Embora o sono já tivesse ido embora, seu corpo ainda se encontrava em estado de letargia, um leve torpor que recusava-se a deixar seu corpo, e que a fazia sentir um ligeiro enjoo, como se algo tivesse dado um nó em suas entranhas.

A noite anterior tinha sido um misto de emoções, as que havia muito tempo desejava sentir e as que ansiava enterrar no mais profundo esquecimento de suas memórias, a música extremamente alta e muito, muito, muito, mais muito álcool mesmo. Sentia a ressaca alcançar seu cérebro, embora tivesse consciência de que a sensação, incômoda, na boca do estômago, em nada tinha a ver com isso, e sim a ansiedade pelo que está por vir e por aquilo que já passou.

Quando finalmente criou coragem de abrir os olhos e mover-se, sentiu um arrepio que correu por todo seu corpo, como se o mesmo tivesse sido atingido por uma forte corrente elétrica, que fez todos os seus sentidos se aguçarem e neste instante teve certeza daquilo já sentia em antecipação como um nó que retorcia seu estômago.

Ela definitiva e infalivelmente estava de volta, ela sentia no cheiro, no toque, no peso sobre seu corpo, no calor aconchegante que a envolvia e no som daquela respiração que ia de encontro a parte lateral de sua nuca. Ela nem precisou terminar de abrir os olhos para saber quem estava á seu lado, ela sabia, só havia uma única pessoa, em toda sua vida, que seria capaz de fazê-la sentir-se daquela maneira, e embora o álcool ainda fosse presente em sua corrente sanguínea, agora mais do que nunca, ela sabia que o nó no estômago era real.

Arrastou-se para fora daquele abraço com todo o cuidado que conseguiu, fazendo o impossível para não acordar quem dormia. Buscou suas roupas, pelo quarto desconhecido, sequer tinha ideia de onde estava, e as memórias ainda eram uma grande confusão de flashes indistintos que vinha em forma de borrões que, agora em pé, lhe causavam uma dor de cabeça retumbante.

Ignorou todos os sintomas físicos da ressaca, vestindo-se o mais rápido possível, para sair dali na mesma velocidade. Abriu a porta para deixar o quarto, mas não sem antes deixar um último olhar, longo e pesaroso sobre o rapaz, que dormia profundamente naquela cama. Respirou profundamente, fechou os olhos, e mais uma vez o coração, desejando desta vez ter jogado as chaves fora de uma vez por todas e por fim a porta do quarto também foi fechada.

Já fora do quarto seus passos pelo corredor eram apressados, mas também incertos. Avistou o elevador no final do corredor e foi em sua direção, enquanto vasculhava a bolsa à procura do celular.

Quando encontrou viu que o relógio marcava 6:41 da manhã, um pequeno suspiro escapou de seus lábios enquanto apertava freneticamente o botão para chamar o elevador. Tinha pressa e um leve desespero em seu olhar, para sair logo daquele lugar, ainda sem se permitir pensar muito em tudo aquilo e em como isso iria afetar sua vida e tomar seus pensamentos dali em diante, isto era assunto para outra hora, talvez uma terapia longa deva ser iniciada depois disto, só queria sair daquele lugar o mais rápido que fosse possível e isto era o mais urgente a se fazer agora.

A porta do elevador finalmente abriu e ela entrou apressada apertando o botão que indicava o térreo e no mesmo instante em que virava-se, a porta do quarto onde estava se abriu, deixando-a ter uma última visão do rapaz que abriu a porta com urgência. Vestia somente as calças e tinha os cabelos pretos totalmente bagunçados, quando seus olhos se encontraram, as portas do elevador já se fechavam, ele não se moveu ou fez qualquer coisa além de sustentar aquele olhar. E o peso daqueles olhos alcançou novamente sua alma e estraçalhou tudo dentro dela mais uma vez. E ela implorava internamente para que ele não tentasse impedi-la. "Me deixe ir"- Pensou ela.

Era como um déjà-vu a sensação de já ter vivido aquilo tudo antes. Ela já tinha lidado com as consequências, e supostamente superado, todos os sentimentos que aqueles olhos lhe despertavam. E mesmo assim, naquele momento, assim como no passado, sentiu-se vazia. O mesmo vazio que a acompanhou até aquele instante tomou conta de si quando as portas do elevador finalmente se fecharam e a súplica silenciosa daqueles olhos, que gritava para ela "Não vá", deixou de ser visível.

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⏰ Última atualização: Jun 05 ⏰

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Navegando no Vazio - As Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora