A mão de Lessa alcançou o despertador que insistia em tocar. Deu uma pancada forte, o derrubando de cima do criado mudo. Rolou pela cama e abriu os olhos de uma só vez ao sentir que só ela estava deitada no colchão. Prendeu a respiração para poder ouvir melhor, mas o silêncio que ecoava pelo apartamento era ensurdecedor. Às vezes o som da cidade lá fora a faziam lembrar que não estava sozinha no mundo. "Ah, então ela já foi...", pensava enquanto se sentava na cama, esfregando o rosto. Foi quando viu, ao seus pés, a camiseta do Amon Amarth que a garota tinha usado na noite passada, dobrada e acompanhada de um bilhete.
"Obrigada por ontem. Não quis te acordar, nem sei que horas você acordaria hoje. Pedi um almoço pra você como agradecimento. É pouco, mas de coração.
Cheque sua porta da frente!
Lia."
A mulher virou o bilhete várias e várias vezes, na esperança de encontrar algum endereço ou número de telefone, uma arroba de rede social, qualquer coisa. Mas nada... Suspirou pesado e largou o corpo na cama, deixando flashes da noite passada invadirem sua mente. Ela podia ouvir a respiração da outra, vividamente, em seus ouvidos. Ela lembrava de seu ritmo, gosto, cheiro. Mas era isso. A vida dela era sobre lembranças, no fim de tudo. Se levantou, checou a porta da frente e encontrou a caixinha de delivery descansando na frente.
O celular estava em cima da bancada da cozinha, no mesmo canto onde deixou a noite passada. E quando ativou a tela, viu várias mensagens do baterista, uma de Eli e uma de Asper. Discou um número e colocou no viva voz, enquanto almoçava.
[ . . . . ]
[ Click! ]
- hey!
- hey...
- não li nada.
- tô ligado. Já comeu?
- comendo. Acho que é coreano. Tem pimenta, mas é gostoso. Frango.
- encontra a gente no "Barão"?
- já tão aí?
- pode crer.
- me dá uns trinta minutinhos que já chego.
- fechou!
- fechou, te vejo já. Beijo!
Desligou.
A voz de Asper, do outro lado da linha, estava muito calma. Calma até demais e a mulher sabia que isso era sinal de algo ruim. Um sinal de perigo. Lessa aprendeu isso e era quase do mesmo jeito do gigante. Terminou de comer o frango frito, se trocou e logo estava cortando vento com sua Shadow. Não demorou até chegar na lanchonete de decoração vintage onde sempre usavam para se reunir.
Deixou o capacete com a atendente e se direcionou à mesa número 13, ao fundo, perto do piano em cima de um pequeno palco de cimento. Eli estava com os óculos de leitura na ponta do nariz enquanto folheava papéis e comprovantes. Asper estava de pé, ao lado do senhor, com os braços cruzados e o ex baterista sentado de frente para Eli.
Quando os olhos do gigante e da "nanica", como ele a chamava, se cruzaram, ele respirou fundo e abriu os braços, ela, apressou um pouco o passo e o abraçou pelo pescoço. Ela quase sumia ali.
- então, acho que as contas não estão muito a seu favor não, viu? - falou Eli, torcendo o nariz. - em oito meses, você gastou mais do que arrecadou dentro da banda.
- o quê?! Mas tudo o que eu consumo eu pago!
- Thomas... foram mais de 20 pares de baquetas quebradas, 8 peles de caixa, dois pedais, um prato de chimbal, um de ataque, vários ensaios não pagos, conduções... é, carinha, tá complicado pra ti.
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Eclipse - The Novel
RomanceLessa vive conforme a música e a correnteza que guiaram sua vida. Passando por decepções, alegrias e surpresas, chegando no momento mais cinza de sua vida, onde nada de novo acontecia. Jogando a sua vida pra monotonia. Até que um evento quase que có...