1- Triste recomeço.

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~Se tendes amor, possuís tudo o que há de desejável na terra, possuis preciosíssima pérola, que nem os acontecimentos, nem as maldades dos que vos odeiam e perseguem poderão arrebatar~

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Livia meio atordoada, confusa, nervosa, trêmula e sem saber onde vai ser atendida, entra na delegacia de polícia. Caminha evitando se esbarrar nas diversas pessoas à paisano (com roupas normais) e com autoridades fardadas.

O corredor é muito extenso, parece interminável, com muitas portas fechadas, porém, todas tendo acesso por esta entrada. O barulho de campainhas de telefones, de conversas em tons altos, algumas poucas risadas, mas em compensação muito palavreado pesado, com austeridade e com palavras de ordem, inclusive alguns barulhos semelhantes a murros em mesas. Tudo isto fazia parte da sonoridade do local.

As pessoas que passavam por Livia, nem a olhavam, parecia que nem existia, porque os indivíduos cruzavam com ela ou a ultrapassavam e assim, até sentia-se transparente.

Este cenário deixava Livia mais nervosa e insegura. Quanto mais caminhava, mais temerosa ficava mais sentia que seu rosto estava queimando, ardendo muito. Com certeza estava com as bochechas avermelhadas, porque ficava rubra toda vez que ficava envergonhada, com timidez ou com medo.

Parou defronte uma porta cortada ao meio, feito um balcão e perguntou insegura:

- É aqui que faço um boletim de ocorrência?

Uma senhora muito pálida, de cabeleira vermelha, muito obesa, estava cabisbaixa comendo uma bolacha e iniciando uma ligação telefônica, faz um sinal com a cabeça de afirmativo e com a mão que segurava a guloseima, fez sinal para aguardar.

O tumulto do corredor era tão grande quanto ao barulho que vinha do fundo daquela sala. Um ambiente espaçoso, com pequenas vitrôs fechados e todos com os vidros sujos, alguns aparelhos barulhentos de ar condicionado ligados e cheiro de cigarro, mesmo que não se via ninguém fumando, o odor de fumo estava impregnado por todo canto.

Após alguns minutos a senhora levanta-se com dificuldade, pois parecia que seus quadris estavam entalados na cadeira, tipo poltrona. Dirigiu-se em direção de Livia com passos lentos e pesados, dizendo de forma grosseira sem nenhuma atenção:

- Que houve garota? Pelo jeito é caipira do interior não?

Livia mais amedrontada disse gaguejando:

-Boa tarde senhora. Sou mesmo do interior, mas do estado Minas Gerais, da cidade Monte Azul. E fui assaltada!!!

A escrivã de polícia, com a voz alterada e em tom alto, diz:

- Mas vocês são molengas demais! Todo dia, toda hora tem um reclamando disto. Vem do interior, vem de Minas, vem de qualquer canto e chegam aqui e já são assaltados. Deve ter dado "mole" para que os pivetes lhe passassem o "rapa". É um absurdo, todo dia... A mesma coisa...

- Uai, porque fala deste jeito? Não senhora eu não dei mole não...
Retrucou Livia, quase que a chorar, mas continuou falando:
- Sai ontem de casa, vim tentar uma nova vida no Rio de Janeiro e não vim para ser assaltada não!!! Sou órfã de pai e mãe. Desci na estação rodoviária e peguei um táxi, pedi para parar na praia de Copacabana para apreciar a beleza. Estava com esta mala de rodinhas e uma bolsa de alças, envolta no meu pescoço...

A escrivã lhe interrompe:

- Ah... já sei... Daí... sempre é a mesma coisa... vieram três garotos, começaram a puxar a mala e a bolsa...

Diante desta constatação, Livia assustada complementa:

- Isto mesmo senhora! Uai, como sabe? Foi exatamente isto que aconteceu... para salvar minha mala, deixei minha bolsa mais solta e me esquivei para o lado para não ser atingida por uma faca que um dos garotos empunhava, nisto um deles com um tranco... pegou a minha bolsa e saíram correndo.

Após o depoimento, ela não se segura mais... Agora já aos prantos, num choro só, quase que descontrolada, sente a mão firma da escrivã sobre seu braço, indicando-lhe uma cadeira para senta-se, dentro da sala perguntando...

-Sabe escrever? Vai preenchendo aí o formulário que vou ao banheiro e já volto.

Livia, mesmo sozinha começa a balbuciar algumas palavras, já que o pranto e o desespero são enormes. Sua angústia não lhe cabe no peito, como convulsão resumida fala:

- Céus, tenha compaixão, o que faço agora? Estou novamente só e sem documentos, sem dinheiro, sem minhas coisas pessoais. Tenha piedade senhor!!! Não estou só e com muito medo!

Engole a seco seu pranto e começa a ler, com receios, o que a funcionária pública lhe deu, com receios de que retornasse e ficasse brava. Sabe que situações desta natureza são comuns nestas repartições.
As mãos estão trêmulas demais e as lágrimas não cessam, correm descontroladamente sobre seu rosto... Reflete e fica estática, mas os soluços são incontroláveis.
Quando levanta a cabeça que agora se encontrava debruçada sobre seus braços, sente a presença de um policial, alto, grande e forte. Precisou levantar totalmente sua cabeça para poder atingir o olhar daquele homem.

Não parecia bravo, mas também não tinha "cara de muitos amigos". Estava sério, olhou-a por inteiro e lhe disse:

- Não fique nervosa, é o jeito dela,
"Bem carinhosa e educada...".

Neste momento abriu um pequeno sorriso e as palavras soaram com um tom de descontração.

O homem tinha uma beleza rara, Moreno , alto, forte, dentes muito alvos e olhos esverdeados.

Livia sentiu-se mais segura e ficou mais tranquila, lhe agradecendo com um sorriso de gratidão.

O despertar da borboleta Onde histórias criam vida. Descubra agora