um

27 6 1
                                    

Quando entrei na casa dele, me senti com dez anos novamente.

Não havia um centímetro sequer diferente do que eu me lembrava.

Ele me encara com os dois olhos arregalados sem entender absolutamente do porquê eu estava ali. Não havia mexido um único músculo desde que ele fechou a porta, estava com frio demais. Estamos nos encarando a cerca de dois minutos, ele em choque e eu congelando. Um silêncio mórbido reinava entre nós, mesmo que a televisão estivesse ligada com algum jogo de hóquei que ele possivelmente estava vendo antes de eu aprecer.

De repente, ouvimos passos vindos da escada e nos viramos tal qual dois cachorros que escutam o barulho de um pacote de biscoito abrindo. 

Era tia Ursula.

Ela vestia um robby cinza por cima do pijama e seus cabelos estão presos em um coque alto e bagunçado. Deve ter acordado com a nossa — quase — movimentação na sala de estar.

— Josh, meu filho! — ela exclamou. — Por que abriu essa porta a essa hora da noite?

Josh não abriu a boca, apenas apontou para mim.

— Any? — tia Ursula me encarou confusa. — Por que está toda molhada? — ela se aproximou de mim. — Joshua, tenha modos, vá buscar uma toalha!

Ele se retirou e obedeceu a mãe.

Não muito tempo depois ele retornou com uma toalha clara felpuda em mãos e me entregou.

Tirei o blazer ensopado e me enrolei na toalha com a esperança de que o frio passasse, mas não adiantou muito. Tentei enxugar o máximo de água possível que estava em meus cabelos e me enrolei com a toalha novamente.

Encarei aqueles dois pares de olhos azuis me obervando e comecei a chorar que nem uma criança. Não sabia o que fazer e possivelmente coloquei os dois em risco, não poderia suportar que algo acontecesse com eles por minha causa. Pensei em sair correndo, fingir que aquele encontro nunca aconteceu e vagar pela rua eternamente até encontrar uma solução.

— Ah, querida! — Ursula disse em um tom compadecido. — Pode tomar um banho quentinho nesse banheiro aqui, que eu vou pegar uma roupa de Joalin para você! — ela tem um sorriso maternal no rosto e aquilo fez eu querer morrer ali mesmo. — Quando você tiver quentinha e seca, nós conversamos com mais calma.

Apenas concordei com a cabeça e fui em direção ao banheiro que fica embaixo da escada. Ele me entregou as roupas, uma calça de moletom e uma blusa de manga comprida, eu agradeci e tranquei a porta logo em seguida. 
Tirei minhas roupas molhadas, prendi o cabelo num coque e liguei o chuveiro na temperatura mais quente possível, deixei a água gelada cair e entrei, sentindo a água quente cair pela minha nuca, fechei os olhos e me concentrei apenas naquela sensação por pelo menos um instante, para esquecer os meus problemas, nem se que seja por meio segundo.

Abri os olhos novamente e voltei para o pesadelo.

Fechei o chuveiro, me enxuguei com a toalha, vesti as roupas de Joalin — elas ainda tinham o mesmo cheiro que os casacos de Josh na época que éramos amigos — e com muita coragem, saí daquele banheiro.

Josh e Ursula estavam sentados no sofá creme e quando saí, eles me olharam ao mesmo tempo. Ela desviou o olhar rapidamente, mas ele não. Eu sentia minha pele queimando com o olhar dele sobre mim, parecia que ele poderia me desintegrar a qualquer momento, talvez eu esteja torcendo para que isso aconteça.

Me sentei na poltrona ao lado deles, respirei fundo e pensei na melhor história para contá-los.

— Meu pai arranjou um casamento para mim, com um sujeito asqueroso! — isso é verdade. — Eu me recusei e ele disse que eu não tinha opção! — isso também é verdade. — Então, eu fugi! — tudo o que eu disse é verdade, mas uma versão simplificada da história original.

— Sinto muito, querida! — Ursula se aproximou do braço do sofá, que estava mais próximo de mim.

— E por que veio para cá? — foi a única coisa que Josh disse até então.

— Eu me perdi, estava chovendo, reconheci a rua e decidi ver se vocês ainda estavam aqui! — respondi. — Não posso pedir ajuda aos meus amigos, meu pai iria me achar fácil! — ajeitei as mangas da blusa para que cobrissem minhas mãos. — Não quero incomodá-los, se quiserem, posso ir embora agora mesmo!

— Nada disso! — Ursula me repreendeu. — Você não vai sair nessa chuva de jeito nenhum! Vou te fazer um chocolate quente! — ela disse já se retirando em direção à cozinha.

— Você tem para onde ir? — Josh me perguntou com a expressão fria.

— Não! — respondi. — Se você me emprestar um carregador, eu resolvo esse problema!

Ele se levantou e foi até o móvel que fica embaixo da televisão e pegou um carregador. Graças a Deus é a mesma entrada que o meu e então, conectei no meu telefone e esperei uns minutos para ligá-lo. A solução que eu espero é conseguir alugar pelo menos um hostel até eu saber o que eu vou fazer da minha vida.

— Ai, que merda! — exclamei plugando e desplugando o carregador do telefone.

— O que foi? — ele perguntou.

— O telefone não liga! — respondi nervosa.

— Com a quantidade de chuva que você pegou, ele deve estar ensopado, com o carregador conectado, deve ter queimado! — Josh disse sem dar muita importância.

— Agora eu realmente não tenho para onde ir! — passei as mãos no rosto frustrada.

— Fique aqui esta noite! — Ursula retornou com os chocolates quentes para nós três. — O quarto de Joalin está vazio, pode passar a noite lá!

— Obrigada! — sorri enquanto pegava uma caneca da mão dela.

Josh encolheu os ombros já com seu chocolate quente em mãos.

Eu sei exatamente o que aquela reação dele significou. Josh não estava nem um pouco satisfeito com a minha presença ali, é nítido que a mágoa ainda existe e eu sinto muito por isso, me arrependo de cada palavra dita e de cada ação não feita.

Espero que esse tormento acabe logo e esse sentimento seja enterrado novamente.

seven | beauanyOnde histórias criam vida. Descubra agora