quatro

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O apartamento de Josh tem a cara dele.

As paredes em um cinza azulado, os móveis em madeira clara quase como relevos do piso, bancadas e portas brancas e detalhes praianos e típicos do verão.

Era Josh em sua mais pura essência.

Olhei admirada ao redor.

Quando adolescentes falamos em morar juntos, ele descreveu a possível futura casa exatamente como estou vendo agora. Meu coração se aqueceu um pouquinho, ainda restava um pouco de nós em nós mesmos.

Josh passou minha frente e me indicou o quarto de hóspede à primeira esquerda do corredor, de frente para o banheiro. Assenti com a cabeça e deixei minha mochila lá.

— Tá com fome? — Josh perguntou indo em direção à cozinha.

— Bastante! — respondi.

Não comemos nada desde que chegamos e já havia passado um pouco da hora do almoço.

Josh cozinhava em silêncio, de costas para o banquinho que estou sentada. 

Não sei quanto tempo eu vou ficar aqui e também não sei se vou suportar ficar nesse silêncio mortal com ele durante esse tempo indeterminado. 

— Você trabalha com o quê? — perguntei tentando puxar assunto.

— Sou fotógrafo! — ele respondeu. — Trabalho mais em campeonatos de surf, mas também fotografo outras coisas! 

— Deve ser legal! — disse.

Josh grunhiu concordando, sem dar muita atenção.

— Você ainda dança? — perguntei e me arrependi logo em seguida.

— Você sabe que não! — foi a primeira vez que ele me olhou durante essa "conversa"..

E eu sabia mesmo, falei sem pensar.

— Me desculpe! — respondi com os ombros encolhidos.

Ele se voltou ao fogão e eu desisti de tentar puxar assunto e manter uma conversa.

Me sinto mal. É tudo culpa minha. E toda vez que eu tento melhorar a situação, ela piora.

Josh colocou um prato com um sanduíche de salada de frango na minha frente. 
Ele se sentou a um banco de distância de mim.

Comemos em silêncio e eu retirei os pratos e os copos de suco que usamos, para lavar.

Prendi meu cabelo num coque no topo da cabeça, liguei a torneira e comecei a lavar a louça. Me distraí pensando em como minha vida está uma grande merda e acabei derrubando um copo e cortando a sola do meu pé descalço.

Gemi de dor e Josh veio ajudar.

— Você é um desastre! — ele disse enquanto limpava o vidro.

— Obrigada por me lembrar disso! — respondi num tom nada amigável.

Prefiro que nos ignoremos do que existir uma guerrinha entre nós.

— Deixa essa porra aí! — Josh disse num tom indecifrável. — Vamos fazer um curativo no seu pé!

Concordei com a cabeça e fui meio mancando até o sofá, Josh segurou minha cintura e me ajudou a chegar.

Ele pegou um kit de primeiros socorros em alguma gaveta do banheiro e rapidamente retornou. 

— Merda! — exclamei quando ele tirou o minúsculo caco de vidro que me furou.

— Fica quieta! — Josh praticamente ordenou.

Logo em seguida, limpou o corte, passou algum remédio e fez um curativo.

— Obrigada! — sorri sem mostrar os dentes.

Ele balançou a cabeça, delicadamente tirou minha perna de cima do colo dele e se levantou do sofá.

— Josh! — chamei a atenção dele. — Poxa, nós vamos conviver durante sei lá quanto tempo. Não podemos ficar nessa guerra fria.

Ele me encarou, cruzou os braços e deu um passo a frente, em minha direção.

— Ah, nós podemos sim! — ele disse em meio a uma risada irônica. — Nós não temos assunto, não temos intimidade, não tem nada que nos conecte, você quer que eu faça o quê? — Josh enumerava as coisas que disse. — Sério, Gabrielly! Você quer que eu faça o quê? Aja como se você fosse uma hóspede super querida que eu estou adorando ter em casa?

— Josh...

— Sem Josh nessa voz manhosa! — ele me interrompeu. — Você meteu eu e a minha mãe numa furada, grandes chances dessa sua história dar uma merda enorma não só pra mim, mas pra gente também! — Josh abriu os braços. — Fora que você pode ter esquecido, mas eu me lembro de cada palavra dita naquele dia! — seu semblante fechou em uma mistura de raiva e mágoa.

— Eu não queria ter feito nada daquilo...

— Mas fez! — Josh me interrompeu de novo. — Gabrielly, não interessa o que você queria ter feito, eu nunca vou saber, na verdade, nem quero saber tua intenção! — ele passou a mão no rosto. — O que interessa é o que você fez, e que eu nunca vou esquecer como eu fiquei magoado durante tanto tempo!

Um silêncio reinou entre nós.

— Então, a guerra fria... — ele fez aspas com as mãos. — ...é a melhor opção! — concluiu. — Você não tem ideia de como está sendo difícil e estranho eu receber você na minha casa! — Josh balançou negativamente a cabeça. — Se minha mãe não tivesse insistido, essa conversa não estaria acontecendo! 

A cada palavra dita por Josh, eu me chocava mais.
Mesmo depois de todos esses anos, a mágoa que ele guarda não havia diminuído nem um pouco se quer, pelo contrário, parecia ter aumentado.

— Ela não sabe que nós ficamos sem nos falar. — foi o que eu disse depois de um longo tempo em silêncio.

— Claro que não! — ele respondeu como se fosse óbvio. — Você acha que ela conseguiria lidar com meu pai doente e o filho mais novo chorando praticamente todo dia porque uma garota boçal fodeu com a cabeça dele? — Josh misturava ironia com raiva.

Eu me irritei com as palavras e a agressividade dele.

— Eu não sabia que seu pai estava doente! — me levantei e o olhei nos olhos. — E não te ofendi em momento nenhum da discussão!

— E você quer que eu te agradeça por isso? — Josh bateu palmas ironicamente. — Como fui capaz de ofender você? Alguém tão melhor que eu?

— Se for pra ficar usando ironia e não conversar como adultos, eu acho melhor mesmo a guerra fria se manter! — disse por fim.

— Você é tão... — ele próprio se interrompeu. — Eu não sei nem a palavra pra expressar que você não tá nem um pouco preocupada comigo ou com a situação! — Josh balançou a cabeça. — Você voltou no assunto e não se deu o trabalho de pedir desculpas ou pelo menos explicar o seu lado da história!

— Não tive a oportunidade de fazer isso! — me defendi.

— Quer saber de uma coisa? — indagou. — Vai se foder! Chega desse assunto! — disse por fim e se retirou, batendo a porta do quarto dele.

Não fiz muito diferente. Entrei no quarto de hóspedes, agarrei um travesseiro e chorei sozinha. Por um momento me senti com quinze anos novamente.

seven | beauanyOnde histórias criam vida. Descubra agora