Capítulo 1

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Querida Ayana,

Estou escrevendo para ti, pois é mais fácil de discorrer algo para o outro que para mim mesma, é bem antagônico essa minha afirmação pois eu vivo dentro da minha cabeça, entretanto, eu não sinto que sou dona dela ou que a compreendo bem. Esse monologo que estou criando para você está me deixando ansiosa e muito angustiada, isso só comprava o que eu disse, E-U N-Ã-O M-E C-O-N-T-R-O-L-O, sou completamente controlada por essa impulsividade que eu nem sei ao menos dizer quando que chegou mas que se faz presente por um tempo que estou julgando ser longo. E é tão absurdo tudo isso, que acabei de dar uma pausa para reler e eu sinto que realmente estou em processo de enlouquecimento.

Com Carinho e anseio para que tu procure por terapia,

Ayana (na primeira pessoa).

Releio o que eu escrevi para mim mesma mais uma vez e acabo rindo dessa pequena epifania, pequena pois tenho consciência de que meu horário de almoço está chegando ao fim e eu tenho que me arrastar (para não dizer correr) ao hospital onde sou educadora física. São quase 14h20 e preciso estar lá as 14h30 para atender ao grupo funcional de idosos, e acredito eu que com certeza irei me atrasar e ouvir um sermão daqueles do meu supervisor que além de rigoroso se tornou oficialmente meu ex namorado há 1 semana.

Espero que você não me julgue por ter tido uma relação com alguém do trabalho, ou que você me julgue menos ao descobrir que ele também foi da minha sala de aula no segundo ano do ensino médio e nosso relacionamento se perpetuou desde essa época e só terminei com ele após 7 anos de relação porque ele me pediu em casamento.

Certo, você está me julgando muito agora e me achando uma panaca, e talvez você tenha razão, com ele eu fui, não sou uma falsa moralista dizendo por ai que sou uma boa pessoa, pois eu não acho isso, na realidade eu tenho uma outra opinião, que eu sou boa e ruim ao mesmo tempo, só depende de quem você esta perguntando sobre. Todos nós desempenhamos papeis bons e ruins na vida uns dos outros, você pode ser um bom filho e não ser um bom pai e só descobrir isso depois através da perspectiva do seu filho (e talvez da pessoa que você escolheu como companheiro nessa aventura louca de paternidade) e você pode ser uma boa namorada mas descobrir que no momento ao ápice dos 23 anos que não quer casar por perceber (infelizmente na noite do pedido de casamento) que não ama tanto assim o seu namorado e almeja mudar de estado em breve e quer ir completamente desimpedida emocionalmente.

É, infelizmente estou atrasada, vejo pela cara de Alfred – meu supervisor/ex namorado – que irei ouvir muito sobre isso, entro para o grupo de funcional sabendo que meus idosos já estão devidamente em seus lugares dentro da piscina só esperando que eu ligue a musica e oriente sobre os exercícios que terão de fazer, e assim se estende a minha tarde, entre um grupo de idosos e outro vejo a carranca de Alfred aumentar mais ainda, e talvez seja algo além do meu atraso, ele deve ter sido comunicado do meu desligamento, pois nada explica ele estar com uma cara tão feia (e não, ele não é feio, é tudo o que uma mulher bem resolvida gostaria de ter como marido, gostoso, forte, elegante, trabalhador e outros adjetivos, só que essa mulher não sou eu).

No final do último grupo eu começo a organizar os materiais que os idosos deixaram no chão e escuto a porta se abrindo, nem ao menos olho pra trás pra evitar de ter que olhar muito nos olhos dele, mas me arrependo de não ter feito isso pois ele está muito próximo agora, se eu tivesse olhado poderia ter mantido um pouco mais de distância.

- Soube que está saindo, não basta ter que me deixar romanticamente sem um aviso prévio, também está me deixando como profissional, quem é você e onde você enfiou a Ayana que eu conheço?

No seu cu. Penso isso, mas não falo, sei que não é justo com ele como ex namorado e não é ético como profissional. Mas que saco ter que ficar justificando cada coisinha que eu faço como se ele fosse meu dono.

- Não vai falar nada? – Disse Alfred por supostamente odiar a minha demora em responde-lo, como se eu devesse fazer isso.

- Olha Alfred, eu acho que quanto ao nosso relacionamento pessoal tudo já ficou muito esclarecido, pelo menos da minha parte. Na parte profissional eu me justifiquei para quem deveria, o setor de recursos humanos.

Era melhor eu ter falado ''no seu cu'', pois o homem com quem eu namorei por 7 anos está chorando na minha frente com essa resposta, acho que ele gostaria que eu me empossasse de uma atitude menos coesa – a de não querer prolongar nosso sofrimento falando do termino mesmo que não diretamente.

Ele não para de chorar, me dá as costas limpando as lagrimas com o dorso da mão e quando eu penso que está para sair, ele volta me encara e diz:

- Eu não sei oque aconteceu com a gente, eu não sei onde nesses últimos anos que deixamos de sermos amigos ou coisa parecida, mas saiba Ayana, que eu te desejo as melhores coisas do mundo. Continue bem como você parece estar, eu vou tentar.

E se foi. Me deixou aqui com dois macarrões flutuantes na mão e um sentimento horrível no peito. Onde eu estou bem? Eu estou literalmente um poço de irritabilidade, ansiedade, medo, angustia e raiva. Sim, raiva, eu perdi o meu melhor amigo por simplesmente não ter percebido que eu não o queria como marido ou ter um futuro com ele, pelo menos eu não via isso no momento. Nesse momento. Eu estou literalmente sofrendo por ter deixa-lo e sofrendo muito mais por ter que deixar a cidade onde cresci, na verdade não é ter que deixar, eu quero, como eu quero, a ideia de recomeçar uma rotina onde eu não sou a ex-namorada e ex-funcionária de alguém me soa como uma melodia de Mozart.

Eu falei sobre isso na minha primeira sessão deterapia online que marquei assim que Alfred se foi – claro que demorei algumtempo para me recompor antes de procurar no google PSICOLOGOS ONLINE – que porsinal, foi no mesmo dia, eu pedi urgência no atendimento e graças ao divino apsicóloga que eu achei teve uma desistência no horário das 19h00. Ela me fezrefletir sobre algumas coisas entre ela se eu estou indo embora porque eu realmentequero algo novo ou se estou fugindo das responsabilidades que terei ao decidirficar. Mas e se for um pouco dos dois? E se for um justificando o outro? Queroalgo novo para fugir das responsabilidades que tenho aqui e julgo serem ruins.Para mim, só terei essa resposta indo e espero do fundo do meu coração que euesteja querendo algo novo e não fugindo de qualquer responsabilidade quedeixarei para trás. 

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