Capítulo 2. Alecrim Dourado

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A curiosidade permeou o restante do dia inteiro. Reunidos na cozinha para o jantar, mexo a comida no prato de um lado para o outro, mergulhado nas profundezas dos meus pensamentos. No hall de entrada do resort tem um daqueles mapas enormes como guia turístico para os viajantes, e Milena que fica a mais ou menos dois quilômetros e meio de distância possui uma variedade mais confortável de praias próximas para visitar. Ou seja, quem é ele? De onde veio? E principalmente, o que fazia vagando por ali? Ergui o rosto e tenho dois pares de olhos me encarando como faróis, e sinto quase como se estivesse prestes a ser atropelado na curva. 

     —Hm?...

     —Gostou do seu quarto? Se precisar de qualquer coisa pode avisar. —Tio Fábio oferece sua hospitalidade, calculando palavras. 

     E a maneira com que fala comigo escancara que certamente minha mãe e ele conversaram, e ela fez o famoso monólogo que gentilmente denominei de: “Caio é especial, o trate como uma criança”. Assenti finalmente começando a comer. E de novo, quem é ele? De onde veio? O que fazia ali? Mordi o lábio inferior retornando a encará-los, e dessa vez a atenção já não mais residia em mim e sim algum assunto sobre velejo. 

     —Tio… mora mais alguém aqui? —Perguntei, soando mais acanhado do que planejei, no entanto tentei ignorar isso. —Eu vi um garoto na praia. 

     —Na praia? —Olhou para o nada procurando recordações que pareciam fugir dele. Alisou a barba e o semblante acendeu de novo. —Deve de ser que é filho dos caiçara, tem um casebre na serra, vez ou outra desce uns meninos pra brincar na praia. 

     Caiçara? Fui deitar com isso rodando na cabeça, peguei meu celular para pesquisar, mas havia esquecido de pedir a senha da internet do resort, e não queria perturbar ninguém a essa hora da noite. Não muito contente, mas conformado, puxei o lençol para cobrir o corpo e tentei dormir.

[...]

     O despertar na manhã seguinte não fora muito elegante, o estrondo pesado da minha mala sendo atirada no chão ao pé da beliche —onde eu dormia embaixo— me acordou no susto. Passei os dedos nos os fios desgrenhados de cabelo, com um manto de sono e desorientação segurando a consciência pré readquirida no torpor. E só após esfregar as pálpebras que notei a presença de um garoto no quarto, abrindo as janelas, puxando as cortinas e deixando a luz incandescente entrar para agredir meus olhos desacostumados. 

     —Não deixe as suas coisas na minha cama. —Exigiu, sem sequer olhar para mim, se sentando na cadeira de fio com um cigarro ainda não aceso entre os dedos. 

     —Tá bom... 

     Concordei padecendo, buscando inspiração para levantar e sair dali, qualquer canto que pudesse ficar sozinho. Na fresta das palmas das mãos que cobriam meu rosto, pude discretamente olhar para ele. É moreno, cabelos compridos que cobrem as orelhas, maxilar rudemente quadrado, e medindo pela forma que suas pernas esticadas alcançam o parapeito da sacada, diria que é mais alto do que eu. Tem olhos verdes —ou azuis, não tenho certeza— é robusto, parece ser poucos anos mais velho. Continuaria a silenciosa investigação, mas acendeu o cigarro e a fumaça entra com a brisa que vem de fora, e se a coragem não foi o incentivo para sair da cama, ele foi. 

     O casarão está menos reservado, parte dos amigos do tio Fábio chegaram e a quietude em contrapartida foi embora. Passei a tarde cumprimentando, meneando a cabeça em concordância sob falas típicas de pessoas adultas; “como você cresceu”, “já é um homem formado” e por aí vai. Não reconheço ninguém por muito que parecessem por um triz familiares. Na verdade, grande parte da infância antes de completar doze anos de idade é um esboço raso, sem profundidade, e as peculiares memórias que detenho são específicas demais, logo muito suspeitas. 

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