Capítulo 3. Ipomoea Alba

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Algumas plantas possuem uma capacidade de resistência extensa quando arrancadas de seus territórios primordiais, árvores e arbustos que têm raízes mais salientes podem durar em torno de uma semana sob condições razoáveis. Infelizmente nem todas contam com os mesmos vantajosos atributos, a natureza detém espécies sensíveis, que suscetíveis ao estresse encontram dificuldades fatais na sobrevivência, logo nas primeiras vinte e quatro horas fora do solo, elas murcham, secam e morrem.

Entramos em uma unanimidade tácita, nada comentei do que aconteceu no píer e Samuel também não, e se ainda não estivesse lutando contra um rebuliço de sensações desconfortáveis, seria como se nunca houvesse acontecido. Deitado na beliche, mantenho meus olhos na grade da cama de cima, e ele sentado na cadeira da sacada -contornado pela noite- mantém os seus em mim. Posso sentir a atenção esquentar sobre o lado direito do meu rosto, feito lupas espelhando o sol, quase me queimando. Gostaria de saber no que está pensando, se me acha esquisito, ou se já achava e agora tem certeza.

Era tarde, Fábio e minha mãe já haviam voltado, os pais dele também, além disso chegaram o restante dos convidados para aquelas férias, outros tios e alguns primos que, apesar de serem da minha família, são amigos do Samuel. O que deixa mais estranho ainda sua presença enfurnada no quarto, quando poderia muito bem estar lá embaixo aproveitando um churrasco como todo mundo está fazendo. Por um minuto abaixei a guarda, e um contato visual acontece, seus olhos profundos e nublados, não consigo pontuar com certeza o que dizem, mas existe um escândalo aprisionado lá dentro, atrás das córneas, nos tons de verde-oliva.

-Você está bem? -Ele pergunta.

-Sim.

E mais uma extensa calada, desta vez quem desvia o foco não sou eu. Samuel virou o rosto em direção ao céu banhado de estrelas, o braço direito repousado na barriga, o cotovelo do outro na destra e a mão esquerda segurando o queixo, pensativo, os cabelos negros ondulando com a brisa que vem do lado de fora. Tenho o pressentimento de que guarda alguma coisa que precisa ser dita, mas não usufrui das palavras corretas ou simplesmente não quer. E aqui percebemos uma conjuntura que, se fosse um filme ou história adolescente, o protagonista perguntaria "no que você está pensando?" e ele responderia com frases profundas de significados reveladores e sentimentos agridoces, mas como não é, não perguntei, não disse nada. O cenário é interrompido por alguém gritando da varanda debaixo da sacada:

-Samuca, Caio, desce aí! Vamos nadar! -Uma voz familiar sobe, é provável ser um dos meus primos.

-Você vem? -Samuel indagou, regressando a atenção para mim.

-Hmhum... Já vou. -Segredei, por um tom, sussurrando.

O observei colocar-se de pé e abrir a porta, saindo do quarto, começando imediatamente a me preparar psicologicamente para aquela interação imprevista.

(...)

A última vez que vi meus primos tínhamos quatorze anos em um acampamento coletivo entre os colégios que frequentávamos, não preciso mencionar que eles sempre foram muito mais populares do que eu, preciso? Pois bem. A matéria era biologia e o trabalho consistia em encontrar espécies de insetos à beira de um lago. Me lembro de tirar um belíssimo "dez", mas quem saiu ganhando quando o assunto é diversão foram eles, nadando, paquerando as garotas mais velhas e aprontando a maior arruaça. Naquela época não me incomodava muito ser introvertido demais, e fui sentir os efeitos de ser um nerd isolado somente alguns anos depois, mas em contrapartida existe uma bolha protetora na solitude, então acredito que muitas crises e surtos foram evitadas com relação ao problema; toque físico. Talvez tanta discrição tenha o agravado, mas enfim.

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