Capítulo 4. Calêndula

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À medida que avançava em direção à margem da praia sentia meus pulmões ardentes clamando por uma trégua, e não muito proveniente de resistência física, diminui a cadência dos passos cessando a um caminhar brando. 

     Havia perdido o caiçara de vista no impulso de adrenalina, porém já tão longe não pretendia desistir agora. As rajadas de vento assoprava minhas roupas e cabelos, tinha a impressão de que poderia sair voando para longe a qualquer instante, como se não pesasse nada perante a natureza. Espiei por cima do ombro vendo o resort longe, o casarão com pares de luzes acesas parecia minúsculo daqui. E retornando a encarar a trilha a minha frente, sinto um temor disparar um calafrio pela espinha. Está um breu perturbador no horizonte, as ondas quebrando violentamente com um rumor estrondoso. Então a fachada de areia acabou e um amontoado de rochas enormes forma uma espécie de “escada” para a serra, envolta de árvores colossais com galhos e cipós desgrenhados. O coração acelera batendo nos ouvidos e tenho a macabra sensação de estar entrando na toca do coelho. 

     Comecei a escalar a superfície rochosa e escorregadia, perdi um dos chinelos no que uma das ondas submerge parte da passarela e me segurei feito um filhote medroso, não sabia nadar e se caísse lá de cima certamente era o meu fim. Juntei da pouca coragem que restou dentro de mim e prossegui, os braços doendo com tantas elevações íngremes. Atingi uma parte de terra e utilizei da mata ao meu favor, forçando o corpo para cima, praticamente deitado no chão, e foi o que fiz quando obtive a segurança mínima de que não iria despencar. Estava todo sujo, a camisa branca nunca mais seria a mesma. 

     O chiado das cigarras e outros animais noturnos me paralisa, talvez não fosse tarde o suficiente para dar meia volta, era a atitude mais sensata a se tomar. Engoli a seco e levantei ignorando os instintos que batalham contra a minha imprudência, o medo sendo meu único mecanismo de defesa, agora está silenciado. Pisava sobre gravetos e folhas úmidas, a lama traiçoeira afunda as pegadas em pequenas poças, é nojento… A euforia da aventura por outro lado é perigosamente satisfatória, e contemplo a respeito daqueles programas de televisão, reality shows onde pessoas são largadas na selva para sobreviver —às vezes sem roupas— e se viram muito bem, será que conseguiria? Não deve ser tão difícil. 

     Não deve ser tão difícil se é alguém minimamente preparado, não deve ser tão difícil se é qualquer coisa longe da categoria: garoto de dezesseis anos, magro, loiro, medroso e palerma. Chutei sem querer uma grossa raiz de árvore e caí de joelhos no chão, abrindo um corte na pele fina, culpa de alguma coisa pontiaguda fincada no solo. Virei me sentando, vendo o sangue escorrer pela fenda com uma mistura de terra e areia, ardia excessivamente e por muito que quisesse limpar, não era uma boa ideia passar a mão. Estagnado, o ambiente ao redor engrandece e eu escolho, a partir desta pausa, escutei passos que não eram os meus. 

     —Por que está me seguindo? —Pergunto tremulando a voz. 

     —Você é quem está me seguindo. 

     Torci o tronco abruptamente, olhando para trás, de onde acreditei ter vindo a voz grave, mas nada. 

     —Eu te vi na praia… três vezes.. o que estava procurando? —Era potencialmente a questão mais idiota que alguém em sã consciência poderia fazer, mas não estava exatamente esbanjando meu melhor momento de raciocínio. De resposta um silêncio, e me vi na obrigação de quebrá-lo de novo. —Ainda está aí?

     —Do que está falando? 

     Outra virada repentina, dessa vez para frente, e diante de mim vejo um garoto facilmente com mais de um e oitenta, pele morena e cabelos cacheados desbotados, de vestimentas somente um shorts jeans surrados e um embornal passado no tronco. Não captei mais detalhes, o nervosismo transpirando dos poros dilatados. 

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⏰ Última atualização: Jun 26 ⏰

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