Pequena Senhora Luz,
Como anda sua saúde agora nessa agitação de seu casamento ?
Eu ainda consigo me recordar como você era um típica criança travessa, que fazia estardalhaço por coisas minúsculas e sempre estava sorrindo como uma apalermada pela casa, mesmo com pouca saúde para poder usufruir desses inquietantes talentos. Deve ser frustrante que em terna idade já possuísse adversidades em seu frágil corpo infantil. A sua doce mãe sempre morria de preocupação toda vez que à via cair ou se molhar, temendo o pior estado. Ela era uma pessoa temerosa, e sua ações eram, de certa forma, imprudentes.
A primeira vez que a vi já era meados da estação de Verão. Era um clima conturbado, ora chovia com um aquecimento abafado, ora o sol piava sob nossas cabeças, queimando qualquer tipo de pensamentos oportunistas. Ainda estava na mesma pousada pútrido, sofrendo com o escaldante calor e, logo, com a possível falta de dinheiro. A sensação de desanimo consumia meu corpo, afinal, o meu almejado emprego não estava nem próximo de ser conquistado. A nobreza não confiava em viajantes sem nenhum tipo de recomendação, principalmente, alguém que vivia nas margens das favelas. Algumas vezes pegava me perguntando se deveria trabalhar para aquele velha bruxa por alguns meses, somente para me estabilizar.
Eu estava ali a pouco, mas o suficiente para saber o quanto decadente era seu caráter. Acreditava estar resoluta sobre a bússola moral daqueles clientes ricaços que entravam na estalagem na calada da noite com alguma acompanhante, com vestidos que pareciam trapos, e ia embora após um pequeno tempo de relógio, com algum tipo de satisfação doentia em seus rostos. Toda vez que os olhava vagando pelo corredor, pela rachadura da porta, ou escutava os ruídos amargos da parede fina ao lado, a sensação de nojo amaldiçoava meu âmago, como um veneno destorcendo minhas tripas, aclamando a vontade vomitar sangue. Pensava que esse tipo de sentimento doloroso não habitaria em nenhuma parte do mim, mas adianto que estava redondamente enganada.
No dia em que a conheci, estava caminhando entre as barracas das vendas, enfurnadas de pessoas gritando e exibindo seus mais variados produtos. Eu abordando cada mulher que parecia uma empregada, conversando amigavelmente. Algumas eram educadas, perguntando meu nome e endereço, outras eram ríspidas, me chamando de mendiga e mando-me ir embora. Em dias mais tranquilos, aportavam as portas dos casarões e perguntava de empregos para governantas que atendiam minhas solicitações, mas nunca houve qualquer resposta, mesmo eu voltado algumas vezes.
Suspirando, cansada, sentei-me em uma calçada, arrumando meu desgastado vestido, clamando aos céus uma luz, sentindo fundo dos meus olhos arderem. A única coisa que rondava meus perturbados pensamentos era que eu jamais poderia voltar para aquele vilarejo. Iriam caçoar minha derrota e continuariam me usando para seus próprios negócios. Eu morreria antes de saber o que seria respirar. Questionamentos refletiam em uma maré, balançando meu pequeno barco de madeira que viraria em alto mar a qualquer momento, destroçando a carcaça e jogando os retos a deriva. Eu estava tão próximo de colapsar em meu próprio oceano que uma mecha de esperança era o suficiente para continuar acreditando, mesmo que não fosse diretamente ligado à mim.
- Quer me vender um escravo por tão alto preço? - uma voz doce alcançou meus ouvidos como uma fina melodia musical, acompanhada por leves sinos balançando frente aos meus ouvidos em uma mistura sonora perfeita. - Preciso de uma mulher competente, não um escravo tão judiado pelo seu açougueiro que mal sabe discernir o chá da xícara! - a voz emburrada de uma dama compartilhava sua aparência refinada, uma beleza que meus banais olhares nunca captaram na minha medíocre existência. Eu a fitei ardentemente, encantada com a graciosidade de seus gestos, alcançando as batidas desenfreadas de meu falho coração. As facetas desenhadas da mulher iluminaram meus pensamentos sombrios, apartando as sombras que consumiam minha vontade. Eu tinha a certeza que ela era minha mecha de esperança. Hoje me questiono se isso não foi obra de um destino tipicamente cruel.
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Herdeira Rebelde - Destino de Honra
ChickLitNo fim de sua vida, uma aposentada governanta começou a contar à trajetória de vida na casa de uma nobre para uma suposta conhecida. Em cada carta, ela irá descrever os caminhos decisivos que presenciou e contará sobre sua própria luta interna de...