Capítulo 2

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ATradição dos Sucessores

Mira Estrela, 25 de novembro de 1946

Tradição... Essa é a palavra que define a minha família, os Benedicts Camponelles, eles são cheios delas.

O pelo menos eram.

Agora anda tudo meio indefinido, uma vez que não há um descendente habilitado a continuar com algumas das tradições.

Estava destinado ao primogênito assumir, aos trinta anos, a sucessão episcopal. Uma tradição eclesiástica que já durava mais de dois séculos.

Para que no máximo a cada trinta anos houvesse um novo sucessor, era requerido que nos primeiros dois anos de casado o primogênito tivesse o primeiro filho. Contudo, nas últimas gerações, o esperado era que isso se realizasse aos vinte e cinco, o que significava uma cobrança ainda maior sobre Adam Camponelle, uma vez que já passara dos trinta.

Era para Adam ter se casado aos vinte e cinco, mas ele era teimoso, obstinado, não que fosse contra a tradição, mas queria casar com a mulher que ele amava. Porém, ela fora enviada para morar com os tios na Turquia, os pais queriam que ela se casasse com um turco, mas Adam e Raynan prometeram um ao outro que não aceitariam se casar com outras pessoas, as famílias precisariam aceitar.

Apesar do pai ser muito feliz com sua mãe, Adam soube que ele fora impedido de se casar com a tia de Raynan, causando uma rixa entre as famílias. Saber disso fez com que Adam lutasse ainda mais para que o mesmo não acontecesse com ele.

Já prestes a fazer trinta, e a sua amada também a caminho da terceira década, as duas famílias, contrariadas, mas resignadas, aceitaram a união dos dois. Era melhor vê-los casados do que solteirões, afinal, tanto os Camponelles quanto os Yilmaz davam muita importância a terem descendentes. Contudo, uma fatalidade aconteceu.

E assim, perto de seu trigésimo terceiro aniversário, ali estava Adam, no casarão colonial da fazenda Estrela, pela terceira vez participando de uma reunião de família sobre a tradição da sucessão. A primeira fora ao fazer vinte e cinco anos, a segunda quando estava prestes a completar trinta, pouco antes de se casar com Raynan.

Ao menos não se reuniram em volta da imponente mesa de jacarandá de doze lugares da biblioteca, com seu avô em uma das cabeceiras, cobrando que se casasse. Desta vez o cenário escolhido fora o escritório, um cômodo mais modesto, com um sofá de couro de três lugares e algumas poltronas. Ainda assim, ali havia a intimidação dos seus antepassados nas paredes. Um de seus principais pesadelos. Um quadro faltava naquela casa. Aquele que ele deveria para sempre à sua ancestral Sanem.

— Adam, sei que só está viúvo há pouco mais de um ano — disse Ryan Camponelle, avô paterno de Adam —, uma vida inteira não é suficiente quando perdemos quem amamos, mas todos os prazos já foram extrapolados. Queremos conversar sobre a possibilidade de pedirmos a mão de uma Benedict para você.

Atrás de uma robusta mesa de madeira maciça, Ryan sinalizou para os Camponelles presentes. Susan, sua esposa; e Ferit e Eulália, pais de Adam. A situação era delicada, por isso a reunião não fora com toda a família.

O maxilar de Adam se tensionou, algo típico de quando estava contrariado.

— Você está completando trinta e três anos —prosseguiu Ryan, esforçando-se para ser condescendente com o neto. — E... bem... não há ainda um...

Como o avô se prolongara na pausa, reticente em concluir, Adam retrucou:

— Tive um filho — sabia onde o avô queria chegar e não estava disposto a ouvir um longo discurso sobre a importância de descendentes, como se não soubesse, como se não se importasse, como se nunca tivesse tido um filho... como se não tivesse empenhado sua alma por ele, como se uma de suas maiores feridas não fosse exatamente esta, então encurtou a conversa.

CANTANDO COM AS ESTRELAS - Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora