°. Capítulo 1- A carta .°

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19 de Julho de 2024, 12:37, Rua do Outono.

   Paro na calçada da Rua do outono e fico observando as folhas caírem e voarem, algumas avermelhadas e douradas e outras amarelas acastanhadas. Todas caindo e fazendo um caminho na calçada e nas ruas. Ando mais um pouco, e paro, admirando a cerejeira que agora está só em galhos, sem suas belíssimas flores rosas. Observo as pessoas à minha volta: a maioria tirando fotos das árvores de outono, e a cerejeira é ignorada por estar sem suas flores nessa época do ano.
   Começo a refletir sobre a cerejeira ser ignorada por estar sem folhas: nós seres humanos somos exatamente a mesma coisa. Apenas alguns ficam do nosso lado quando estamos sem flores. E muitos começam a querer se aproximar e ficar do seu lado, apenas quando veem que tu não está mais acabado(a) apenas em galhos, e percebem que agora você floresceu e tem muito para fornecer. Infelizmente a maioria dos humanos é assim.
   Pego meu celular -que já saiu de linha faz 5 anos- e tiro uma foto da cerejeira -uma não, várias, de ângulos diferentes-, para as árvores de outono não se sentirem excluídas, tiro foto de uma delas também. O vento começa a soprar e cantar mais forte, e sinto ele atravessar pela minha única calça de moletom, sorte que estou com uma meia-calça peluciada por baixo para casos como esse. Estou contando os segundos e mili segundos pra pegar meu primeiro salário e comprar roupas que estou precisando. E claro: ajudar minha mãe nas contas.
   Depois que o papai morreu -se é que morreu, porque no dia do acidente, não acharam o corpo dele. Então vou usar a palavra "desapareceu"- No dia que o papai desapareceu, mamãe recebeu o seguro de vida, mas deu apenas para 3 anos. Ela se esforçou sozinha pra cuidar de mim e da minha irmã. Quando fiz 16 anos em Abril, comecei a procurar um emprego pra ajudar nas contas e despesas de casa. Consegui uma entrevista na "The Coffee", aqui no Centro.
   A chuva começa a cair. Infelizmente não trouxe guarda-chuva. Guardo meu celular no bolso que tem dentro da minha jaqueta de couro preta -se molhar vai ser o fim da picada-. Começo a correr pra chegar logo no tubo de ônibus e acabo pisando em uma poça enorme d'água e entra água no meu All star, molhando minha meia e meu pé.

-Que coisa mesmo.-Sussurro só pra mim ouvir.- Meu Deus que ódio desse tênis.

   Chego no ponto de ônibus e sinto meu celular vibrar na jaqueta.

Mensagem on -Mamãe

-Oi filha, tudo bem? Já está vindo pra casa?  Recebi uma notícia maravilhosa hoje😍. 12:49

-Oi mãe. Bem e a senhora? Contaaaa. 12:50

-Vou contar quando chegar do trabalho. Como foi a entrevista? 12:51

-Conto quando você chegar do trabalho 😔 12:51

-Só porque vou contar a notícia só quando você chegar em casa? 12:51

-👍 12:52

-Sai dessa Hadassa. Foi bem ou mal? 12:52

-O ônibus chegou mãe. Tchau. Até 😘 12:52

-Ás vezes tu me dá nos nervos guria. Tchau. Fica com Deus. 12:52

-Amém a senhora também.

Mensagem off

   Entro no ônibus e caço um lugar pra sentar, ele está sem ninguém em pé,  mas os lugares: todos ocupados. Então seguro nas barras e espero até um lugar ficar livre, só eu que me sinto estranha quando: sou a única em pé?

Finalmente chegamos.

   A chuva começa a se intensificar e começo a correr. Enquanto corro vejo um papel branco com um borrão vermelho ao longe voando. Percebo que ele está vindo na minha direção e bate na minha cara.

A Menina Dos Pés MolhadosOnde histórias criam vida. Descubra agora