Ariadne

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Carol estava sentada no chão do quarto, cercada por caixas de fotos e lembranças antigas. Organizar esses fragmentos do passado era uma tentativa de entender o presente e, quem sabe, construir um futuro. Ela segurava uma foto em particular, tirada por Natália, que mostrava as duas sorrindo em um parque durante um dia ensolarado. Aquela foto parecia de outra vida, uma vida onde tudo era mais simples. Uma vida onde ela não se sentia responsável por acabar com a existência de outro alguém.

Ela examinava as fotos, os pensamentos em Natália. Natália sabia muito sobre sua vida, sua criação, seu caminho de carreira, seus pequenos hábitos e interesses, sua refeição favorita, estação do ano favorita, música favorita. Sabia pequenos detalhes do seu passado, mas Carol frequentemente omitia os tristes. Sabia que Natália conhecia grandes dores às quais Carol não poderia acrescentar. No entanto, Carol esteve tão perdida em seu luto que nem havia pensado na possibilidade de Natália estar preocupada com ela.

Natália tinha observado Carol nos momentos de quietude: trabalhando, lendo algo, ou, silenciosamente enquanto preparava o jantar para elas. Nunca uma única lágrima, nunca um único olhar triste. Foi então que ela soube que a preocupação de Natália se aprofundou ainda mais, enquanto se perguntava o que estava acontecendo por trás da fachada serena da outra. Natália não queria que Carol se sentisse invadida ou pressionada a compartilhar algo que não estivesse pronta para revelar, mas cansou de encontrar todas as portas fechadas. E Carol compreendia, não a ressentia por ter desistido.

Carol se levantou do chão, deixando as fotos e lembranças espalhadas ao seu redor, e se aproximou da janela. O vidro frio contra a palma de sua mão. Ao olhar pela janela, seus olhos encontraram o jardim do prédio da frente. Um emaranhado de trepadeiras subia pelas grades, buscando avidamente a luz do sol. As plantas trepadeiras se agarravam em qualquer superfície para alcançar o calor do sol, em uma busca por crescimento e readequação.

Era assim que Carol se sentia. Estava tentando encontrar uma maneira de se abrir, de se readequar, para deixar Natália entrar novamente em sua vida. Era um processo lento, mas necessário. Cada lembrança, cada foto, era um passo nessa direção, um esforço para quebrar as barreiras que havia construído ao seu redor.

Ao observar a vida agitada na rua, Carol percebeu que o mundo continuava seu curso implacável. As pessoas seguiam em frente, enfrentando seus próprios desafios, cumprindo suas rotinas diárias. Era um lembrete de que a vida não parava por causa dos problemas. Havia um senso de urgência e continuidade na forma como as coisas aconteciam.

Natália se infiltravam em sua mente durante o dia, no trabalho ou enquanto dirigia. Depois, se instalava em seu peito quase de forma inadequada, mantendo Carol acordada à noite, com sonhos assustadores sobre sua ausência, letras de músicas que lembravam a falta dela repetindo em sua mente ao longo do dia.

Ela lembrava de como era ver Natália se vestir de manhã, camada por camada. Às vezes, a puxava para si e passava as mãos pela pele nua dos seus braços, simplesmente porque podia, porque ela deixava, com seu longo pescoço arqueando, buscando mais contato. Mas também lembra não pode tocá-la agora.

Não é uma surpresa sentir o quanto isso a perturba. Não porque a ama, mas porque se esforçou muito para ser amada por ela. Cortou as partes feias de si mesma e as enterrou sob uma camada profunda de terra. Apresentou a ela um corpo liso, mas quando Natália a tocava, sentia a pele elevada das cicatrizes.

Claro que sentia. E ainda assim a amava.

E, assim, as semanas continuaram, o clima mudando, o ar mais frio, mais dias com a chuva batendo contra as grandes janelas à medida que o outono se aproximava. Em algum lugar profundo em seu peito, a esperança esculpindo um caminho constante e ardente entre suas costelas, procurando a luz do sol.

Entre nós, uma ruaOnde histórias criam vida. Descubra agora