CAPÍTULO UM

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LÍVIA

1 Coríntios 13:13 Três coisas, na verdade, permanecerão: a fé, a esperança e o amor, e a maior delas é o amor.

Olho ao redor observando o grande galpão com
lojas - carissímas por sinal - enquanto esperamos dar a hora do voo do papai chegar.

Serão meses longe, por vezes fico reflexiva quanto ao trabalho do meu progenitor, mas não reclamo. O salário que ele ganha é quem paga minhas roupas, sapatos, acessórios..

Não foram tão graciosos os dias aqui com ele. O senhor Ha-jun não é fácil, nossas brigas ficaram marcadas em minha mente para sempre. Talvez a partir das cinco horas da tarde a minha vida pode mudar.

Espero que Ele não tenha se esquecido de mim, afinal sou filha. Pais não esquecem de seus filhos apenas por ficarem um tempo longe.

O choro de Jina invade meus pensamentos. Papai deve estar orgulhoso de sua filha favorita já começar a sentir sua falta, afinal, o meu tempo de receber o seu amor acabou. Mas com certeza ele irá voltar a me ver sobre outros olhos.

- Querida, logo logo voltarei. Você precisa ficar com os olhinhos sem nenhuma lágrima, senão, como irá vigiar sua irmã para mim? - Ele cochicha no pequeno ouvido de Jina.

- Mas eu já estou com saudades! O natal poderia voltar para todo mundo ficar juntinho. - Minha irmã chacoalha seus braços e seus pés empurram o chão com força. Famosa birra infantil.

Papai ri de seu comportamento, comigo ele nunca fez isso.

- Ha-jun pare de rir de Jina, ensine a ela o que é certo. - Mamãe acaba com o silêncio que a seguiu desde quando saímos de casa.

- Meu coração, o papai vai voltar, tenho certeza que você não irá nem sentir minha falta.

Jina aperta meu pai com seus braços curtos.

Reviro os olhos e me distancio da família buscando algo para matar esse sentimento dentro de mim. Desde que Jina nasceu, dia após dia nutro um sentimento que eu nem sei o nome ainda. Toda vez que vejo Papai e ela juntos, me dá vontade de agarrar a mão de papai e levá-lo para longe. Apesar de tudo o que acontece entre nós, eu o amo.
Afasto esses pensamentos e acabo indo num mini supermercado dentro do aeroporto. Compro um salgadinho e logo abro para começar a comer. Enquanto afogo as mágoas, ouço a mulher no autofalante dizer que o voo com destino á Alemanha acabou de chegar e que os passageiros já podem entrar na aeronave para tomarem seus assentos. Me aproximo novamente da minha família.

Mamãe mesmo contra vontade deixa algumas lágrimas escaparem de seus olhos ao abraçar papai. Eles se encaram e sorriem.

- Bom trabalho, querido. - minha progenitora diz.

Ele apenas sorri, e ao direcionar seu olhar para mim, o mesmo se aproxima apoiando suas mãos pesadas em meus ombros, quase fazendo meu saco de salgadinhos ir ao chão.

- Filha, nós já conversamos sobre aquilo mas novamente quero te falar: não se deixe ser enganada. Você não precisa deles, você não precisa especificamente Dele. Nada de idas a igreja, saídas a noite com os jovens, e sobre a Bíblia, eu espero mesmo que você tenha jogado fora todas elas. - papai ordena olhando no fundo dos meus olhos. Será que ele consegue ver a minha alma? Bom, se ver, talvez se sinta um pouco culpado por ela estar tão deprimida assim.

- Claro, pai. - respondo com voz chorosa. Não posso parecer fraca diante dele, meus neurônios tem que funcionar e me ajudar a não permitir chorar.

O grande empresário me envolve num abraço - que parece verdadeiro - e se afasta de nós indo em direção ao túnel que o levaria direto ao avião. Mas antes de sumir completamente ele olha para mim e sibila um "eu confio em você", e então, desaparece.

- Bom queridas, vamos para casa. - mamãe diz colocando um fim naquela cena e nós voltamos para a nossa residência.

🍁

Subo as escadas que dão acesso ao meu quarto. Tranco a fechadura, pois só assim sei que posso respirar tranquilamente e começar a minha busca pelo "tesouro perdido". Meus pés descalços atingem de forma cuidadosa o carpete felpudo, mamãe não pode notar uma movimentação estranha.

Puxo a primeira gaveta do meu guarda-roupa e jogo meus shorts pelo chão. Primeira tentativa errada, não tem nada aqui. Começo a procurar na segunda gaveta e jogo algumas tranqueiras pela cama. Por que eu guardo tanto fio de telefone? Esses fones de ouvido nem funcionam mais.

Procuro na esperança de achá-la na última gaveta, senão terei que procurar numa outra parte do guarda-roupa. Jogo meus pijamas pelo ar afim de vê-la no o fundo do compartimento.

E novamente procuro em vão. Não a encontro.

Tenho que pensar rápido. Olho no relógio em meu pulso e já são 18:37, as sete horas mamãe irá me chamar para o jantar.

Pensa Lívia, pensa direito. Onde você escondeu?

Guarda-roupa não está, cômoda do lado da cama também não, seria muito visível colocar ela ali. Sapateira... eu não ia colocar uma Bíblia numa sapateira.

Começo a andar desesperada pelo quarto. Minha respiração começa a falhar, e meu pulmão parece ter picos de nervosismo. Me apoio na cabeceira da cama e tento manter a calma contando de um até cinco.

- Senhor, se tu ainda me ama, me ajude a achar essa Bíblia. Por favor, que meu pai não a tenha encontrado e jogado no lixo, por favor. - Súplico para os céus, nem sei de verdade se alguém vai me escutar.

Minha mão escorrega da cabeceira da cama e eu caio no chão. Isso faz um barulho atrás da cama.

Levanto e tento enfiar meu braço pelo curto espaço entre a cabeceira e o colchão. Apalpo e encontro algo. Pela textura já sei o que é, um sorriso involuntário surge em meu rosto.

Puxo a Bíblia para cima e a olho com cuidado. A última que restou, comprei tantas e tantas foram jogadas no lixo. Essa daqui é uma guerreira.

Jina bate na porta me dando um susto.

- Lí, a mamãe pediu para te chamar, o jantar está na mesa. A comida parece estar bem gostosa, se você não vim logo eu vou comer tudo. - uma risadinha infantil ecoa pelo corredor.

- Pode ir Jina, já estou descendo. Acabei de sair do banho. - invento uma desculpa esfarrapada.

- Ainda bem, você estava precisando mesmo. - respiro fundo e quando estou prestes a gritar por sua ida, ouço passos correndo para longe.

Mamãe não se importa muito de eu ler a Bíblia e de ir a igreja. Mas por via das dúvidas, acabo guardando o livro sagrado debaixo do meu colchão. Troco de roupa e saio para o jantar, confesso que a única fome e sede que tenho, é da Palavra de Deus.

Antes Do Tarde Demais!Onde histórias criam vida. Descubra agora