1. Entre Memórias e Espíritos: O Retorno a Kyoto

5 0 0
                                    

   " Eu nasci com essa habilidade estúpida, quem vai acreditar quando alguém diz que consegue enxergar espíritos? Vão dizer que é coisa de louco!"

  Eu apertei o celular mais forte, meu coração acelerava a cada batida, li e reli diversas vezes a mensagem de minha mãe, mas ainda assim, não conseguia acreditar no que estava escrito.

  " [nome], Aiko teve um AVC. Por favor, venha para Kyoto assim que puder... ".

  Assim que a ficha havia caído meus olhos se encheram de lágrimas e meu peito apertou, as memórias com minha avó vieram à tona, me fazendo pensar no pior.

  Minhas mãos tremiam enquanto respondia sua mensagem.

  " Ok, estou a caminho ".

  Joguei o celular na cama, sentindo a ansiedade consumir minhas emoções. No impulso, arrastei uma cadeira para perto do armário e subi em cima dela para pegar minha mala, que estava guardada no alto. Abri a mala e comecei a jogar as coisas dentro, sem me importar se estava organizado.

  Enquanto arrumava minhas coisas, lágrimas quentes desceram por minhas bochechas, a memória de eu sentada ao colo de minha avó enquanto ela contava aquelas histórias bobas de youkais... sua risada que ecoava por toda casa...

  Finalmente, após trinta minutos minha mala estava pronta. Sem pensar muito, nas carreiras corri para a estação, em frente a minha casa. Seria uma longa viagem.

  — Vai dar tudo certo! — comentei comigo mesma, na esperança de me acalmar.

  A compra do bilhete foi rápida, o dinheiro que vinha economizando todo esse tempo acabou sendo muito útil. Sentei em um dos bancos da plataforma esperando meu trem. Cada segundo parecia uma eternidade.

  Depois de 5 minutos, que na minha percepção durou uma hora e meia, o trem finalmente chegou. Assim que suas portas se abriram, fui às pressas procurar por um assento próximo à janela.

  O trem partiu lentamente, cada segundo de espera parecendo uma eternidade enquanto o cobrador verificava meticulosamente as passagens de todos os passageiros. Para mim, essa demora era uma tortura silenciosa.

  — Finalmente. — Sussurrei aliviada com a partida do trem.

  No decorrer da viagem, memórias da minha última conversa com a minha avó Aiko vieram à tona. Quando eu tinha 15 anos, ela disse algo referente ao guardião yokai que ela avistou ao buscar plantas nas montanhas. Foi algo que na época eu achei incrível, mas não me lembro o motivo.

  Depois que me mudei para a capital, perdi o contato com Aiko, ela não usa aparelhos eletrônicos e eu estava em uma escola interna. Logo depois, fiquei ocupada com a faculdade e trabalho. Olhando para atrás agora, me sinto uma idiota por neglicenciar minha familia dessa forma.

  As luzes da cidade deram lugar a paisagens mais rurais conforme o trem avançava. O silêncio do vagão era preenchido apenas pelo ruído monótono dos trilhos sob os rodados do trem. Eu sentia um aperto no peito, uma mistura de arrependimento e esperança de que ainda houvesse tempo para consertar as coisas com Aiko.

  Peguei meu celular, mas hesitei antes de ligá-lo. Sabia que não encontraria mensagens dela ali. Aiko sempre preferiu a simplicidade e a conexão com a natureza, algo que eu admirava nela, mas que agora me fazia sentir ainda mais distante. Antes que eu pudesse levantar o celular mais uma vez, fui interrompida por uma homem de cabelos longos e pretos, que sentou ao meu lado.

  — Boa noite senhorita. — Ele sorriu e eu não deixei de admirar seus caninos, que mal pude prestar atenção em sua fala.

  — É... boa noite. — Respondi, guardando o celular no bolso da minha jaqueta. Senti meu coração palpitar de vergonha sob o seu olhar penetrante, como se tivesse olhando através de mim.

  — A senhorita parece um pouco aflita, está tudo bem? — Sua pergunta me fez suar frio, como ele poderia saber?

  — Não pensei que estivesse tão na cara... Estou indo visitar minha avó no hospital. Ela acabou tendo um AVC. Mas vai ficar tudo bem... — falei tentando parecer mais confiante do que realmente me sentia.

  — Ela é uma pessoa forte, não vai cair tão fácil, acredite. — Ele deu um peteleco leve na minha testa, um gesto amigável que me pegou de surpresa. Em seguida, levantou-se e saiu andando, deixando-me ali confusa sobre o que acabara de acontecer.

  Quando virei para olhar através da janela percebi que já havia chegado ao destino. A estação de Kyoto. Os passageiros já estavam em pé próximos a porta para desembarcar. Fiquei incrédula enquanto tentava descobrir como o tempo havia passado tão rápido.

  — Mas... como? — Arregalei os olhos. Deixei isso de lado ao lembrar que Aiko me esperava no hospital. Então peguei minha bagagem e desembarquei do trem.

  Saindo da estação entrei no aplicativo de carro e pedi um táxi até o endereço que minha mãe havia enviado mais cedo. Por sorte, ou obra do destino, meu motorista já estava esperando à frente.

  — Boa noite. O senhor consegue me levar ao endereço no hospital de Mibuhigashitakadacho o mais depressa possível? — Entrei no carro às pressas, a ansiedade que antes havia sumido, reapareceu com força total.

  O motorista apenas concordou com um aceno sério e seguiu caminho, acelerando com determinação pelas ruas tranquilas de Kyoto. Enquanto o táxi cortava o ar noturno, meu coração batia descompassado, os pensamentos girando em torno de Aiko e das incertezas que a esperavam no hospital.

  Ao longo do trajeto, o silêncio do carro era apenas interrompido pelo suave zumbido do motor e pelo eco dos meus próprios pensamentos. Lembranças de momentos felizes com Aiko se misturavam com a preocupação crescente por seu estado de saúde.

  Finalmente, o táxi parou diante do hospital. Eu mal esperei o carro parar completamente antes de pagar e sair correndo em direção à entrada. Minhas pernas tremiam de nervosismo enquanto subia as escadas até o quarto de Aiko.

  Gentilmente, abri a porta de seu quarto, revelando minha avó deitada na cama, olhando pensativamente para fora da janela. O coração apertou ao vê-la tão vulnerável, tão diferente da imagem forte e vibrante que eu tinha dela nos meus anos mais jovens. Era como se aquele momento fosse um sonho, a reunião após tanto tempo afastada.

  Ao me aproximar e sentar na cadeira ao lado de sua cama, percebi as mudanças em seu corpo. Seus braços estavam mais finos, seu corpo mais magro, como se ela tivesse encolhido desde a última vez que nos vimos. Era quase como se fosse outra pessoa deitada ali.

  As palavras saíram de minha boca, iniciando uma conversa, mas meus sentimentos estavam tão confusos que eu não conseguia prestar atenção nem nas minhas próprias palavras, nem nas dela.

  Tudo que consigo recordar da conversa com minha amada avó foi seu pedido, que eu cuidasse de sua casa até que ela melhorasse.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jul 01 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

« Tora » | Kazutora HanemiyaOnde histórias criam vida. Descubra agora