A Guerra das Conchas

2 0 0
                                    


Eu gosto de conchas. Aquelas coisinhas esquisitas, espiraladas, feitas de Deus sabe o quê e que servem de abrigo para uns animais peculiares. Independentemente dos dizeres científicos, é sim possível ouvir o mar dentro delas (mesmo sendo conchas de caracóis terrestres). Meus colegas sabiam que eu gostava de conchas; por isso me forçaram a assistir enquanto esmagavam minha coleção com os pés.

Era recreio e eu lanchava na sala de aula; não gostava do barulho do pátio. Perto de mim, umas crianças brincavam no chão com as porcarias mais inúteis que o dinheiro pode comprar. Como fosse muito inocente, resolvi mostrar meus brinquedos. Cheguei perto com uma singela sacola de conchas e sentei-me à roda. "O seu Max Steel não pode com meu caramujo! Toma, toma!". Não sei por que não gostaram... Num instante, todo o meu precioso conjunto de conchinhas estava espalhado pela sala.

Aparentemente é uma grande ofensa brincar com conchas perto de meninos que possuem bonecos de ação e carrinhos em miniatura. A repugnância das casinhas dos moluscos pode depreciar a riqueza dos outros brinquedos. "Eu vô pisar, hein! É um, é dois...". Lá se ia a primeira. Explodi em lágrimas. Eu não gostava de violência, mas aquilo foi presente da minha avó; quando passeava em salvador, fizera questão de catá-las na praia para mim. Além disso, mesmo que eu fosse muito quieto, meu corpinho redondo era quase tão pesado quanto aqueles três meninos juntos. Com algum esforço, empurrei e livrei-me dos moleques que me seguravam pelas costas; um deles caiu sobre as cadeiras e começou a chorar. "Me ajude, me ajude! Eu tenho família! Meu filho-caracol e minha esposa-caracol estão me esperando!", dizia uma concha amarronzada. Ele não os esmagaria mais. Sentei-me sobre seu peito e descontei nele toda a minha raiva. No entanto, um segundo depois tudo ficou embaçado.

Acordei na sala da direção; já tinham chamado a ambulância e logo mais fui ao hospital. Aconteceu o seguinte: o outro menino, que não estava chorando por cair sobre as cadeiras, nem apanhava por quebrar minhas coisas, tomou coragem depois de um tempo e veio para cima de mim. Mas o danado não sabia brincar. Invés de continuar o conflito na mesma intensidade, com tapas, chutes e beliscões, ele fez o impensável; pegou uma cadeira e deu com tudo na minha nuca. Depois disso, mesmo os seus amigos pararam de andar consigo; uma coisa é ridicularizar, humilhar e gerar traumas nos outros que os seguirão para o resto de suas vidas; outra muito diferente é golpeá-los com cadeiras. Mesmo os bárbaros têm seus códigos de conduta! Pelo menos, com esse fato aprendi uma lição. Não se pode levar conchas para a escola, sob o risco de sofrer fortes represálias dos locais. Bem entendido, não mais eu repetiria este erro. Da próxima vez eu levaria meus boizinhos de osso, e aí sim eu seria bem-visto...

A molecadaOnde histórias criam vida. Descubra agora