Calêndula.

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   Uma gota.

   Duas gotas.

   Sem se mexer, o sangue começou a pingar do rosto do garoto. Uma mistura de raiva, culpa e inveja pesaram em Gabriel, o que o fez se aproximar lentamente e tentar levantar o rosto do garoto. Porém ele foi parado com um estalo, um tapa dado firmemente em suas mãos ao tentar tocá-lo.

     - Não suje suas mãos. Não aprendeu nada em completos 6 anos?

   Agora mesmo Perseus estava parado calmamente ao lado de um jovem quase da sua idade, estava com as suas mãos descansando em seu ombro e com seu olhar sempre direcionado a ele. Porém, quando Gabriel, seu próprio filho, se aproximou, a sua única reação foi um tapa em sua mão.

   Mesmo que Gabriel só quisesse gritar, bater e chutar, ele sabia o que deveria fazer, sabia que deveria cuidar da bagunça que fez e chamar um serviçal hábil para o serviço. E mesmo com mil e uma palavras abafadas em seu coração, foi isso que ele fez.

    - Sinto muito pai, chamarei alguém para que cuide disso.

   Antes de sair Gabriel deu mais uma olhada para o garoto, desta vez de forma mais calma. Ele tinha pele morena, na realidade ainda mais escura, porém ele não conhecia o nome dado a tal tom de pele. Era reluzente com a luz que vinha da janela, seu cabelo cacheado pendendo para frente, um castanho escuro, quase preto, e seus olhos, que podiam ser vistos entre as brechas do cabelo, eram um tom de verde caramelo, claro e brilhante no meio de toda a sombra de sua expressão distante.

   Ao sair da sala era como se o que acabara de fazer viesse à tona. Ele pensou imediatamente em sua mãe, e em como ela faria uma expressão triste se visse isso, ele sabia que ela se sentiria decepcionada, e ao pensar isso sentiu a culpa duplicar, talvez até mesmo triplicar.

   Com passos acelerados Gabriel foi até Jord, um adulto que aparentava beirar os 50 anos de idade, o corpo firme, porém não musculoso, uma expressão gentil que combinava com os seus olhos amarronzados e seu cabelo castanho claro.

     - Jord - o mesmo se virou e prestou respeito -, preciso que vá até o escritório do papai e... - Suas palavras foram paradas e seu olhar caiu em pesar. Mais um erro cometido. - Preciso que vá ao escritório do Rei, um garoto está ferido, quero que cuide dele.

   Jord apenas acenou com a cabeça. Apesar de ser um homem de aparência gentil, era raro ouvir sua voz, porém quando ele dizia alguma coisa sempre era algo de se prestar atenção. Ou ao menos era esta a visão que Gabriel tinha dele.

   Ambos foram até o escritório, Jord seguindo alguns passos logo atrás do príncipe, sua feição sempre séria e aura serena, um contraste reconfortante. Quando chegaram ao escritório do rei o senhor se apressou em pegar os ombros do garoto, olhando sua bochecha, abaixou seu tronco em forma de pedido ao rei, e assim que lhe foi concedida a permissão ele se levantou e ambos saíram.

   Gabriel não tirou os olhos do garoto, Jord segurando seus ombros com carinho diminuindo sua tremulação incessante e irritante, a forma como seus olhos suavizaram com pena do pobre jovem machucado injustamente. Gabriel queria aquele carinho pra si.

   Bam! A porta se fechou em um estrondo, uma porta pesada demais e impossível de ser silenciada. Assim como o seu pei. Os olhos redondos e marrons se viraram quase que instantâneamente para encarar os olhos iguais aos seus que estavam a alguns metros para frente, encarando papéis sobre a mesa e pensando sobre algo do qual Gabriel provavelmente nunca saberia.

   Sua voz era trêmula no início, nada além de um engasgo de palavras saiu pelas suas cordas vocais. Era difícil não ter para quem correr quando, durante 6 curtos anos, ele sempre tivera. Porém ele teve de dizer, com muita formalidade, sua gratidão inexistente pelo presente indesejado.

   - Obrigado pelo presente...Vossa Majestade Real.

   Gabriel sentia seu peito doer enquanto saía da sala. Ele sentia como se algo dentro dele tivesse sido arrancado à força, sem aviso prévio, e isso doía muito.

   Desde muito pequeno chamar Perseus com qualquer título imperial era difícil, ainda mais quando estavam sozinhos, e apesar das broncas e castigos constantes para que aprendesse era como se, ao chamá-lo de tal forma, ele deixasse de ser seu pai, e sim somente o rei de Thalass. Porém hoje ele entendia.

   Ao ver o que fez com um garoto por simples inveja, ciúmes pelo pai, ele notou que talvez Perseus estivesse certo. Se, desde jovem, Gabriel aprendesse a ver seu pai como o Rei, ele provavelmente entenderia que era normal a situação que vira a poucos minutos atrás. Talvez, se pelo menos uma única vez, ele aceitasse que jamais seria amado e cuidado pelo seu pai, ele provavelmente não teria perdido a cabeça.

    - Agora eu entendo, papai. Pedir um abraço ao rei é como pedir o toque de Deus, mesmo que você seja meu pai, você esteve sempre distante. Meu primeiro choro não foi escutado por você, assim como o de agora também não será.

   Gabriel sussurrou como que afirmando para si mesmo que Perseus nunca foi seu pai, ele sempre fora e sempre será o rei de Thalass, porém tomar consciência disso foi como abrir o peito e aceitar, de bom grado, ser atacado diretamente no coração. Mas era necessário, no fim, tudo é necessário quando se é o futuro do povo.

    - Vossa alteza. - Jord chamou.

   Ele já estava de pé e o garoto já parecia ter sido tratado, os três estavam em um tipo de dispensa. Perante os olhos do rei, Gabriel jamais deveria ficar em um lugar como este, sujo e bagunçado, fedendo a pessoas mal cuidadas, como dizia ele. Porém nos primeiros dias depois da morte de Sophia seu sono ficou muito desregulado, e Lucy o levava para organizar os alimentos, o que o distraía, o divertia, e ele dormia muitas das vezes encostado em um saco de arroz grande que ficava no chão, logo ao canto.

   Essa recordação de pouquíssimo tempo atrás o fez esboçar um sorriso discreto, e assim ele acenou dando permissão para que Jord saísse.

     - Espero que possamos recomeçar, qual seria o seu nome?

   O garoto não se mexeu.

    - Garoto? Eu...olhe para mim, vamos recomeçar de uma forma melhor, hum?

  Silêncio.

  Algo parecia estar errado, apesar de imaginar o medo que o garoto estava sentindo, Gabriel acalmou e suavizou a voz para falar com ele, então porque o garoto parecia nem mesmo escutá-lo?

  Ele quase caiu para trás do banco que estava sentado quando cutucou o garoto e ele falou ainda mais alto, como se gritasse, se afastando bruscamente e empurrando a mão dele para trás.

    - Vossa alteza!! - Repetiu, assim como falou um pouco no escritório de Perseus.

    - Você só sabe falar isso...? - Gabriel soltou um longo suspiro, e então se agachou, colocando o rosto para frente de forma que, mesmo olhando para baixo, o garoto visse seus olhos castanhos radiantes - Eu, Gabriel, Você?

  Ao ver o medo do garoto e sua falta de comunicação ele deduziu que talvez o menino não fosse alfabetizado, ou talvez fosse surdo, e por isso falou lentamente para que o garoto lesse seus lábios. E provavelmente, por seja qual motivo fosse, funcionou, pois pela primeira vez o garoto pareceu se acalmar um pouco.

    - Gabriel e...Apollo.


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FIM CAP 2,

Obrigada por ler até aqui.

𝑺𝒐𝒖𝒍 𝑺𝒆𝒂𝒍𝒊𝒏𝒈 || A Hɪsᴛᴏʀʏ Oғ RᴏʏᴀʟᴛʏOnde histórias criam vida. Descubra agora