segundo;

280 31 0
                                    


CYRA SABE COMO agradar aos homens, conviver com vários deles na fábrica, quase todos ranzinzas, a fez se tornar apta a lidar com qualquer drama masculino, sugestões e indiferenças.

Mas, ela não irá pedir muito, quer apenas ter um conforto de uma casa e não correr o risco de ser violentada por estranhos —como ocorria diversas vezes em seu emprego com as outras mulheres—, também quer ser bem alimentada e não precisar ir mais para as ruas pedir restos de comida mesmo após um dia exaustivo de trabalho.

E ela parece que foi uma das mulheres mais sortudas ao encontrar um balde de ouro em forma de esposo, não que saiba muito sobre o homem que irá tê-la até sentir-se cansado, mas escutou nos corredores algumas sacerdotisas cochicharem sobre o "quanto é privilegiada ao ter um homem rico" e até minimamente importante no mundo, embora tenha ficado mexida ao ouvi-las fazendo preces de proteção direcionadas para si.

Talvez ele seja ruim? Bem, ela não se importa, irá lidar com as peculiaridades dele e a possível indiferença que terá que suportar.

Ela se certificará disso. Tem que fazê-lo.

—Entre.— a voz educada a faz estremecer por ter sido pega perdida em seus pensamentos ao ponto de nem notar o momento em que saíram dos corredores escuros, e agora estão diante de um automóvel de última geração, extravagante demais para os seus olhos comuns.

A porta aberta indica que o homem alto e bonito quer logo partir daquele lugar inóspito e com cheiro de morte no ar. Ela o compreende, entrando no banco de trás do carro e se acomodando nele, podendo finalmente respirar em alívio por sair daquelas paredes prisioneiras que guardam milênios de segredos sujos e profanos.

O veículo inicia o seu trajeto e Cyra acompanha, pelo retrovisor, o templo se tornando minúsculo a cada movimento para longe dali. De mórbido, a paisagem muda para uma mata densa e fechada, em que as copas das árvores impedem parcialmente a entrada de luz pela floresta.

Entretanto, não é algo ruim de se admirar e a esposa de um "demônio" encosta a cabeça no vidro sólido, contendo um sorriso mínimo nos lábios, não sabe em que se meteu, exatamente, mas está orgulhosa de si mesma por estar sabendo lidar bem com a sua atual situação.

Ao menos não está vestida em trapos e coletando pedras pesadas para a construção de alguma fábrica, desviando-se de homens e recebendo menos de cinco moedas por dia.

Mundo pré-moderno, como dizem.

—Senhora Fushiguro, peço que ponha o cinto de segurança, pois a viagem, a partir daqui, será turbulenta.— novamente ele a acorda dos pensamentos saudosistas da jovem mulher que o obedece colocando o que foi pedido.

Cyra não compreende o que o homem albino está falando e o motivo de as coisas ficarem intensas, porém, logo adiante, uma esfera esverdeada se ergue lindamente no meio da floresta quase sem luz, o que responde as suas dúvidas passadas. Ela parece rugir em um chamado, uma tecnologia avançada que Cyra só ouviu falar duas vezes sobre.

Um portal, o sinônimo de maior tecnologia que a humanidade construiu até agora. Tão linda e majestosa, elevando-se como uma deusa já antiga que se mantém intacta e tão absurdamente inacessível para qualquer pessoa do mundo, exceto daqueles que têm autorização direta do governo para utilizá-los.

A nova Fushiguro segura firmemente a barra do vestido quando o carro se dirige lentamente até o portal, os pedregulhos faz o automóvel balançar e, consequentemente, a deixa com uma ânsia de nervosismo devido ao choque de realidade que acabou de ter.

Seu marido é rico, muito mais que isso, ele deve ser influente demais para o seu gosto.

Um estalar de dedos do motorista extremamente branco parece acordar o portal que emite uma luz muito forte, sugando-os para dentro dele como uma esfera magnética até o centro.

O que Cyra achava que seria torturante não dura segundos, podendo até mesmo não ter se estendido para milésimos. Em um momento estava em uma floresta fechada e agora se encontra de frente a uma casa gigantesca, tão grande ao ponto de não conseguir enxergar todas as dimensões da estrutura e jardim.

A boca dela se abre instintivamente em admiração, jamais se imaginou diante de tal infraestrutura totalmente diferente do pequeno casebre em que dividida com a irmã e seus sobrinhos.

—Bem-vinda a sua nova casa, mulher do Fushiguro.— um tanto irônico demais, o esbranquiçado indica que ela saia do automóvel e aponta para os guardas ali presentes —Guiem a senhora de vocês de acordo com o que foi indicado por Toji. E, senhora...

—Me chame apenas de Cyra.— pela primeira vez ela se manifesta diretamente para o homem arrogante, enrugando o nariz por não ter gostado da forma como ele a olhou dos pés a cabeça, em escárnio.

—Cyra, nome até que bonitinho para você.— ele abaixa a cabeça em uma risadinha irritante e os olhos azuis cristalinos se fixam nos dela —Boa sorte com aquele brutamonte.

E, sem ao menos se despedir, o homem albino arranca em alta velocidade para distante da mansão, fazendo o vestido da Fushiguro esvoaçar acima dos joelhos.

—Idiota.— murmura, para si mesma, indo de encontro com os dois seguranças que desviam o olhar para baixo; ela fica confusa, geralmente essa ação deveria ser dela, no entanto, parece que as coisas serão diferentes.

Um tanto incomuns.

Eles abrem passagem para que a nova senhora da mansão entre em sua residência e, em expectativa, ela a adentra com a vista atenta a cada pedaço do lugar mais que aconchegante. O verde predomina o território, vários arbustos e árvores se estendem por todos os cantos, além de ter várias tulipas coloridas alinhadas até a entrada da mansão.

Mas, além dos guardas, Cyra tem a impressão de que está sozinha na enorme casa e um sentimento de solidão a inunda por um momento. Para quem viveu a vida toda rodeada por pessoas, estar sozinha a deixa com saudades das barulheiras dos sobrinhos e das gargalhadas altas da irmã, mesmo que Cyra passasse a maior parte do tempo reclusa no seu espaço lendo algum livro, gostava de escutar cada som que eles produziam, sentia-se viva.

Assim se vai toda uma manhã e tarde, com ela sentada em um sofá confortável a espera de que alguém apareça para guiá-la em sua própria casa, mas ninguém veio e ela suspeita que o "Fushiguro", seu marido, seja do tipo recluso.

O pôr do sol deixa um clima agradável e alaranjado no ambiente, através da janela que vai de encontro com o jardim, a mulher passou horas observando um único ponto que teve várias mudanças de cores a cada instante até a fome se fazer presente, obrigando-a ir atrás da cozinha para fazer qualquer refeição que a alimente.

Ela aperta os lábios em decepção, desde o começo sabia que estaria sujeita a reclusão, mas não esperava passar horas sozinha em um lugar gigantesco e sem saber se pode entrar em cada cômodo ou não.

Cyra sente-se incômoda, uma intrusa e sabe que é exatamente isso que ela é.



┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈┈
A questão do templo, que casa as mulheres com os seus pretendentes, amadureci essa ideia de uma autora internacional chamada "Layla Fae", leiam as histórias dela, são incríveis!

ᴍᴀᴛʀɪᴍᴏ̂ɴɪᴏ, toji fushiguro Onde histórias criam vida. Descubra agora