Letras e rabiscos

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Já não havia mais espumas na banheira, meus dedos estavam enrugados e eu experimentara o melhor relaxamento em meses. Ouvia ao fundo uma música familiar, mas que ainda não conseguia identificar. Peguei meu celular pela primeira vez em que havia pousado naquela nave maluca.

Oito chamadas perdidas do Ian e uma chamada perdida da minha mãe. Respirei fundo. Primeiro liguei para minha mãe, claro. Perguntas de rotina, como havia sido a viagem, se eu estava bem, se já estava instalada, quem era a pessoa que estava comigo... Depois de tudo esclarecido, mandei uma mensagem para o Ian dizendo simplesmente: "Cheguei, estou bem. Alex parece uma ótima pessoa e Camille a adorou. Não se preocupe, não estou no mood de ligações, mas mandarei notícias assim que possível." Aceitável, não grossa porém não aberta para conversas.

Marcus e Karen haviam mandado mensagens também, com as mesmas perguntas da minha mãe. Marcus havia sido mais invasivo, pedindo uma descrição detalhada do que eu achei da Alex à primeira vista.

"Ela é muito branca."

Era a única coisa que eu conseguia pensar.

Sai do banheiro enrolada em uma toalha, peguei a mesma mala de antes e despejei tudo sobre a cama. "Organizei" tudo rapidamente no guarda-roupas e percebi que nele havia muitas toalhas e itens de higiene. Fiz o mesmo com as outras malas, e as únicas coisas que ficariam pendentes seriam as caixas. Lá estavam meu PC, alguns consoles, jogos, meus itens de tabacaria e outras coisas que achei que seriam necessárias.

Sai pelo quarto e vi Camille deitada no sofá laranja enquanto Alex falava ao telefone. Na cozinha já haviam pacotes cheios de comida. Fui até os pequenos potes dar uma olhada e vi que exatamente todos eram com comida sem origem animal. Fiquei surpresa, achei que ela fosse pedir os frangos fritos mencionados. Peguei um prato próximo a pia e me servi com a maior quantidade de comida que pude. Fui até a sala e me sentei no tapete felpudo, com as pernas cruzadas.

Alex não parecia muito feliz, falava rápido, quase incompreensível com seu sotaque. Comi fingindo estar absorta observando Camille ronronar com os carinhos que estava ganhando, mas a forma como a ligação seguia me deixava incomodada.

Por que tudo relacionado a Alex me deixava incomodada?

- Tudo bem Amy, amanhã ligo novamente pra você. Estou com fome, preciso comer.

E assim se encerrou a ligação. Não quis fazer nenhuma pergunta invasiva, então apenas falei: "achei que você iria pedir frango frito".

- Claro que não, se você não come carne, então não comeremos carne nessa casa. Talvez fora dela, mas aqui não - ela apontou para minhas mãos, enquanto caminhava para a cozinha - não sabia o que você gostava, então meio que pedi um pouco de cada coisa.

- Isso aqui tá muito bom. - e realmente estava, tofu e arroz frito, com um mix maravilhoso de salada - Você já comeu alguma vez comida vegana?

- Não, essa vai ser a primeira vez. Espero que seja bom, não sou muito fã de verduras e legumes.

Sua careta de nojo ao provar a primeira garfada foi impagável. Foi forte, comeu até o final e ainda comeu novamente. Alex era engraçada mesmo quando tentava não ser.

- Eu não sei o que tem aqui, mas isso tá bom pra cacete.

E assim se seguiu a noite. Perguntei o que ela estava ouvindo enquanto tomava banho e ela me mostrou ao invés de falar. Audioslave pegava muito em todos os ferimentos ainda expostos, me lembrava o Ian e toda a porcaria que foi viver aquilo. Não era recente, mas ainda machucava como se houvesse sido na noite anterior. Comentei com ela o quanto aquelas músicas me entristeciam, então para minha surpresa, não houve nenhuma pergunta do porque ou coisa do gênero. Jogou o celular em meu colo e me mandou colocar algo. Atirei o celular de volta, afirmando que meu gosto musical é muito duvidoso.

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