A Fada de Pétalas de Barro
Dois dias antes
Juan chegou ao porto de Belomar ainda pela manhã, e lá alugou uma carruagem. Pediu ao cocheiro que fossem por dentro de Terramar, a região entre Belomar e Mira Estrela, pois seu objetivo era ir direto para a fazenda, e havia uma estradinha que passava pelos fundos da propriedade de sua família. Preferia andar de sege, eram carruagens mais ligeiras, contudo, não eram ideais para as estradas de terra batida do interior.
Após deixarem a área movimentada de Belomar para trás, abriu a portinhola e distraiu-se nas horas seguintes com a paisagem exuberante da região.
— Amigo, eu vou descer aqui — anunciou Juan ao chegarem no caminho que dava na entrada principal da fazenda Camponelle.
Pagou dez mil réis ao cocheiro, dois a mais do que o valor cobrado, e deu as últimas instruções sobre onde deixar as bagagens. Queria apreciar de perto as paisagens daquele chão no qual crescera.
Seguiu ao longo da estrada, cercada de ambos os lados por árvores, colinas, pastos e flores. Após algumas milhas, chegou à alameda que daria na entrada da fazenda Camponelle. Porém se viu impelido a abandonar o caminho para adentrar no bosque, pois um aroma peculiar atraíra os seus sentidos.
Seguiu aquele aroma cítrico por alguns metros até chegar diante de uma pequena cabana. Rodeou o casebre e, no fundo, deparou-se com um ambiente que parecia ter sido retirado de uma ilustração de contos de fada: uma mesa estreita, retangular, repleta de frascos e ingredientes; uma cadeira de balanço com almofadas bordadas; um balanço entrelaçado com flores e véus; uma rede presa entre dois ipês, um amarelo e um avermelhado; ao fundo, um rio cristalino; e ao redor, passarinhos cantavam.
Havia casinhas para bem-te-vis e móbiles, e um banco comprido quase parecendo um sofá, nele havia uma jovem de cabelos longos, cor de larva de vulcão, adormecida.
Juan se aproximou da jovem e percebeu que o cheiro vinha de toda parte, não apenas dela. Não era perfume, ou qualquer outra fragrância que já houvesse sentido. Uma mistura de folhagens, ervas e aromas cítricos.
— Uma aprendiz de boticário? — indagou ele.
Juan estendeu a mão para tocar naqueles fios cor de sol poente e sorver melhor aquela fragrância que o arrebatara até ali. Mas, embora quisesse muito sentir uma daquelas mechas entre seus dedos, recuou a tempo. Não ousaria tocar em uma donzela sem sua permissão, ainda mais adormecida, não fazia parte do que julgava correto.
Levava uma vida errante, era verdade, mas alguns princípios permaneciam arraigados, ao menos aqueles que foram timbrados nos alicerces do caráter, e respeitar uma dama era um deles.
Embora parte do rosto estivesse oculta por uma mecha da vasta cabeleira escarlate da moça, Juan pôde notar que era muito bonita. As feições de princesa contrastavam com as vestes simples do campo, concedendo a ela uma beleza singular, entre o requinte e o rústico.
Uma gatinha preta surgiu aos pés de Juan, arranhando-lhe as botas.
— Defendendo a sua dona? — sussurrou ele para o felino. — Ou seria sua mestra?
Uma bruxinha da floresta?, pensou ele.
Então sorriu, achando graça daquela tolice.
— Não se preocupe, já estou de partida, e tenho certeza que a deixo em boas mãos. Ou melhor, em boas patas — disse ele, passando a mão na pelagem brilhante do animal.
Ao se erguer, reteve mais uma vez o olhar sobre a ruiva.
— Adeus, bruxinha. — Ele sacudiu a cabeça para afastar o pensamento impróprio de despertá-la com um beijo.
Inconcebível!
Ele não era um príncipe, e também não estava em um conto de fadas. E se estivesse, ela não seria uma bruxa, mas sim uma princesa.
Definitivamente estava agindo como um tolo. Talvez fosse uma espécie de feitiço pelo encanto do lugar.
Ou pela beleza idílica daquela bela bruxinha adormecida.
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COLHENDO ESTRELAS - livro 4
Narrativa Storica🌟🐎🌟🐎🌟 Sanem Benedict é uma poeta, desenhista, alquimista e amante da medicina, isso em pleno século XIX, período em que não havia abertura para que as mulheres ingressassem na vida acadêmica. Mas essa restrição não foi suficiente para fazê-la d...