Querido Muichirou

Ferida Aberta

Eu lembrava vagamente dos momentos em que passamos juntos, mas não me esquecia do garoto doce e meigo que ele era, Muichirou, seu sorriso aquecia até o coração mais gélido, já seu irmão era o oposto, congelava até a flor mais quente da primavera, o pai dos dois era um lenhador conhecido na região, quando eu e minha família nos mudamos para aquela pequena vila entre as montanhas, lembro-me que me perdi em uma trilha já ao anoitecer.

- Papai olha! - A voz infantil vinha de longe - Uma menina.

Meu corpo tremia com ar gélido da noite, meu olhos estavam já marejados de tanto chorar, fungava limpando o catarro do nariz a cada passo que eu dava sobre a trilha.

- Eiii garotinha! - A voz repentina do homem me fez gritar, o que ecoou por todo bosque. - Eiii! Calma...

- AHHHHH

- Você é a menina da vila! - A voz infantil repetiu-se mais uma vez, de trás do homem apareceu um menino de no máximo dez anos. - Você está perdida? É perigoso sair de noite.

O homem mais velho tinha uma expressão de orgulho no rosto.

- Está tarde Muichirou! É melhor levarmos ela para casa, vai demorar muito para descer a montanha essa hora da noite.

- Mui... chirou...

Meus olhos se arregalaram ao flash de memória passar rapidamente sobre minha cabeça, o mesmo menino de quem eu me lembrava vagamente era realmente ele, Muichirou, andei até em sua direção para cumprimentá-lo e ele simplesmente passou por mim...

Nenhuma reação, palavra ou gesto, ele apenas passou do meu lado me ignorando.

- Muichirou?! - O chamei fazendo-o virar.

- Quem é você? - O olhar do mesmo estava vago, morto, nem se quer conseguia formular uma frase ao olhá-lo - ahh, é mesmo a menina Kibutsuji... - Ele deu de ombros e continuou andando. - Omane, Rengoku está ?

- Ele saiu em uma missão, Muichiro há uma semana! - Afirmou Omane.

- Uma pena... Então vou precisar ficar aqui por um tempo até a volta do pilar das chamas, algum problema?

- Não, não, não é até bom a presença de um pilar para proteger os feridos.

Omane hospedou o jovem em um dos quartos da casa e reparou que eu estava de certo modo, "Estranha".

- Aconteceu alguma coisa Saera? - Perguntou Omane. - Desde que o jovem Tokito chegou você tem agido de forma estranha.

Contei toda a história para a senhorita Omane de como fui resgatada e acolhida pela família Tokito quando me perdi no bosque naquele dia, e construir uma linda amizade com os gêmeos até o dia em que me mudei. Observei a expressão de receio da mulher a quem desabafar, e ela me explicou tudo o que aconteceu, não nego que chorei com o que ela me falou.

- Saera... Um oni atacou a casa de onde os meninos moravam... por muito pouco os gêmeos não morreram, mas por algum motivo Muichirou não se lembra de ninguém...

Omane me explicou que desde que sua irmã, Amane Ubuyashiki, resgatou os dois garotos, Muichirou não se lembrava de ninguém, nem mesmo do irmão, que sobreviveu, mas que acabou perdendo um braço durante o ataque do demônio.

Yuchirou se tornou tsuguko de Sanemi, seu sucessor e segundo melhor espadachim da respiração do Vento, mesmo sem um dos membros o menino era excepcional na arte da esgrima.

- Acredito que Yuchirou se culpe pela perda de memória de Muichirou. - Indagou. - Yuchirou afirmou que o irmão está com a mesma personalidade que ele o tratava, por mais que tentasse se aproximar do jovem Muichirou, algo de ruim acontecia, então ele apenas parou de tentar, alguns anos depois, ele se tornou sucessor de Sanemi e o seu irmão gêmeo, Pilar da Névoa.

- Minha nossa...

- Mas já que você foram tão próximos na infância por que você não tenta se aproximar dele, quem sabe ele consiga se lembrar de você?! - Os olhos da mulher brilharam, o otimismo dela era irritante, tanto que se parecia com o próprio Rengoku.

Sorri esperançosa.

- Tentarei!

(...)

A escuridão da noite rapidamente encobriu a grande mansão respirei fundo decidida a conversar com o menino, a ideia de reencontrar e ter um amigo novamente me deixavam ansiosa, segurei o fôlego mais uma vez e bati na porta do quarto.

- Licença... - Afastei a porta lateral com cuidado para não fazer barulho. - oh...

Suspirei ao ver o quarto vazio, apenas o jogo de cama estava sob o chão intocável, meus nervos se acalmaram um pouco, meu objetivo agora seria encontrá-lo, não nego que fiquei aliviada ao não vê-lo, talvez fosse uma situação difícil de explicar caso alguém visse.

Andei sob os corredores mais uma vez da casa, olhei em cada quarto de enfermaria e hospedaria, e nada dele, já decretava derrota e caminhava voltando para meus aposentos até passar pela sala de treinamento.

Abria a comporta revelando apenas mais um cômodo vazio.

- Eu realmente pensava que você estaria aqui. - Choraminguei derrotada. - Mas se ele estiver do lado de fora? - Perguntei a mim mesma.

Caminhei em direção ao jardim de treinamento, um barulho ficava gradativamente mais alto a medida que chegava mais perto do jardim.

Ao abrir a porta, o ar gélido da noite bateu contra meu rosto, poucas luzes estavam acesas, era tarde, de fato, mas seria um único momento de privacidade que teria sem ter alguém precisando de ajuda na enfermaria.

E lá estava ele, Muichirou Tokito, com uma espada de madeira batendo contra um boneco, o mesmo estava sem a parte superior de seu uniforme, o que revelava seu corpo treinado e forte.

- Uau... - Admirei de longe, me apoiando na parede apenas observando o garoto treinar.

Ele estava bastante suado, as gotículas de água escorriam pelo seu dorso nu e sua respiração era ofegante, era algo realmente de se admirar.

- Até quando você vai ficar me olhando de longe?! - Sua pergunta me pegou de surpresa, minhas bochechas começaram a arder. - Já faz um tempinho que você está aí! - Indagou, ele inclinou a cabeça e me olhou sobre os ombros, ele tinha uma despreocupada e curiosa, descansando a espada de madeira sobre o ombro oposto.

- Eu... eu estava o procurando! - Afirmei o encarando.

- Bem você me achou! O que quer?

- Conversar...

- Sobre?

- O passado!

- Sinto te informar, mas não lembro muita coisa sobre o meu passado! - Indagou, respirando fundo para começar a bater no boneco de madeira mais uma vez. - Nem mesmo do garoto sem braço que diz ser meu irmão a anos!

- Muichirou, eu o conheço desde que éramos crianças! Crescemos juntos até minha família se mudar! - Ele parou de bater no boneco enquanto eu falava.

- E?! O que quer que eu diga? Eu não lembro de você! Nem desse seu rosto! A única coisa que você é pra mim é que seu clã deu origem ao Muzan! - Falou ríspido.

Meu coração apertou, aquele de fato não era o menino que eu conhecia, com quem eu cresci, Ele se virou e caminhou em minha direção, reparei que o mesmo tinha um curativo em seu tórax que estava manchado com sangue.

- Você está ferido! Não deveria fazer tanto esforço assim! - O repreendi me aproximando do mesmo que apenas me afastou.

- Eu estou bem! Foi só uma ferida durante uma luta! - Afirmou. - Eu não preciso de...

O olhar dele ficou turvo, os membros dos corpo do garoto em minha frente estava perdendo as força.

- ... ajuda...

Corri para segurá-lo, ele desmaiou sobre meus braços, seu corpo estava quente e sua respiração pesada.

- ALGUEM POR FAVOR !!! ME AJUDA !!!