Capítulo 1

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Dias atuais

SKYLAR

Lembro da dor, mas antes dela, lembro que a platéia explodiu em aplausos. Antes do silêncio e olhares assustados quando meu corpo atingiu o gelo, lembro de me sentir no topo do mundo. O barulho do meu corpo colidindo com chão manteve-me acordada por semanas após tudo. A pressão na arena naquela noite era esmagadora e a maior parte - senão toda - vinda de mim mesma.

Eu não precisava daquele movimento para vencer mais uma vez o primeiro lugar do circuito de escolas de Massachusetts, mas eu sabia que, apesar de não ser um evento oficial de patinação e que me gerasse pontos para o ranking regional, havia ali treinadores e até mesmo juízes. Eu tinha treinado o Axel quádruplo por meses durante o verão, mas era a primeira vez que tentaria em uma competição. Não me importava que todos tivessem me alertado sobre a dificuldade de executar a acrobacia durante minha rotina. Eu sabia que conseguiria. 

Levantei o olhar em direção a minha treinadora e sorri confiante, a música começava a acelerar e seria agora ou nunca. Impulsionei meu corpo para cima, iniciando o salto. O tempo parecia ter entrado numa bolha, devagar e brilhante, enquanto dava a primeira volta em torno de mim, com os olhos abertos, conseguia ver os borrões cintilantes da plateia. Duas voltas. Meu corpo ainda subia. Três voltas. A plateia finalmente entendeu o movimento. Quatro voltas. Meu corpo estava em estase.

O Axel quádruplo havia sido realizado pouquíssimas vezes, e começar a temporada de apresentações com ele estampado em todos os jornais de esporte seria um bom começo. Meu sorriso bem ensaiado logo abaixo na manchete "mais uma jovem a entrar para o grupo seleto de atletas a executar o Axel Paulsen com quatro voltas" daria início ao melhor ano da minha vida. Se tudo saísse como o planejado, eu poderia me classificar para o Gran Prix Junior. Mas conforme meu corpo começava a perder a altura, e o pouso se aproximava, lembrei que minha avó costumava dizer que quanto maior o salto, maior a queda. Ela era uma mulher sábia.

Senti o contato da lâmina do patins no gelo.

Senti meu tornozelo virar.

Senti a dor subir pela minha perna direita.

Senti o choque do meu quadril no gelo.

Senti minha cabeça ricochetear no rinque.

E foi nesse momento que senti também toda a confiança do meu corpo sumir no escuro que me engoliu.

"Isso quer dizer que pode retornar ao gelo, Skylar" a voz do Dr. Carter ecoava em minha cabeça. Esperei ouvir essas palavras por um ano e dois meses, havia sonhado, fantasiado, encenado este momento, pulos de alegria, choro de alívio, gritos de felicidade. Mas, minha reação foi apenas encará-lo em silêncio. Eu não queria voltar. Não havia me aproximado do ginásio de esportes durante o ano escolar todo. Me escondi em todo lugar que me desse a maior distância possível do ringue. Passei o ano letivo inteiro entre a seção de livros religiosos na biblioteca e o clube audiovisual. Procurei pelo lugar perfeito, onde ninguém me faria muitas perguntas, ninguém ligaria para quão boa eu era no gelo, muito menos se importaria com o gesso e as muletas.

A música ecoou pelo rinque, fazendo-me estremecer. Virei meu olhar até a treinadora Marshall, que sorriu ternamente. A morena caminhou calmamente em minha direção, apoiando-se na borda do acrílico.

- Está aí há quinze minutos, Sky! - ela disse - Faz uma semana que te liberaram para patinar, está tudo bem? - assenti, passando a língua nos lábios, tentando umedecê-los. - Então entre. - ela sorriu. Puxei o ar, tentando encher os pulmões, tentando criar coragem para mexer meus pés. Mas continuei ali, imóvel. - Skyler, o que está acontecendo? Achei que estaria ansiosa para poder voltar para o gelo... - levantei meu olhar para a mulher e então soltei todo o ar, exasperadamente.

Coração de GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora