- Um encontro indesejado.
"Ele te bateu de novo, não foi?" O homem sem nome tomou um gole de seu café, sua expressão serena e despreocupada contrastava com o pequeno sorriso que oferecia a Vitória.
Vitória assentiu, incapaz de articular uma resposta. Sabia que qualquer esforço para falar resultaria em lágrimas copiosas, um dilúvio de dor que ela lutava para manter sob controle.
O homem sem nome soltou um suspiro pesado, levantando-se de seu assento com movimentos deliberados. Aproximou-se de Vitória e, com uma ternura inesperada, acariciou seu rosto com dedos rústicos, mas gentis. "Podemos denunciá-lo", murmurou, mantendo o mesmo sorriso fraco.
Vitória permitiu que as lágrimas finalmente caíssem, cada gota carregando consigo a desesperança que a consumia. Seu marido, um político de grande influência, era um mestre em subornar aqueles que ousassem confrontá-lo. Sentindo o toque reconfortante do homem, um sorriso trêmulo apareceu em seus lábios. Colocando sua mão sobre a dele, ela suspirou profundamente. "Se falharmos, serei punida. Tenho medo", confessou.
"Você é tão bela, areia demais para o caminhãozinho daquele gordo.", disse ele, voltando ao seu lugar e tomando mais um gole de café. O sorriso em seus lábios era um misto de ironia e tristeza. "Deixa que eu pago", acrescentou, ainda sorrindo para ela. Ele fez uma pausa, escolhendo cuidadosamente suas próximas palavras. "Eu conheço uma mulher, totalmente... exótica", disse, procurando as palavras certas. "Tive um caso com ela por algumas semanas."
Vitória olhou para ele, confusa, tentando entender aonde ele queria chegar. "Ela me contou que também apanhava de homens no hospício onde vivia. E um em particular, se parece muito com o seu marido", ele disse, agora encarando Vitória com seriedade.
Vitória e aquela mulher são parecidas até demais. Sabe, há algo excitante em saber que alguém pensa em você, independentemente de querer seu mal ou seu bem. Alguém está ciente da sua existência, e esse simples fato alimenta o desejo universal de ser amado. No final, todos os humanos, sem exceção, anseiam por amor. Uns são mais reservados, outros mais carentes, mas todos querem sentir a sensação reconfortante de serem amados. Todos querem um motivo para estar vivos. A existência humana só ganha sentido quando somos considerados por alguém. Todos procuram aquele para amar, aquele que valida a nossa existência.
As pessoas quebradas, são as mais desesperadas. São aquelas que buscam desesperadamente um motivo para continuar vivendo, muitas vezes através de outra pessoa. Elas esperam pelo salvamento em alguém, acreditando que essa conexão pode curar suas feridas.
Vitória teve sua chance de fugir, de escapar da violência doméstica, mas hesitou. Foi essa hesitação, meros quatro segundos de indecisão, que determinou os próximos três anos de seu inferno. Se tivesse fugido com seu amante, o homem que conheceu no bordel, sua vida poderia ter tomado um rumo diferente. Mas aqueles quatro segundos de paralisia a prenderam, e depois ela se perguntou repetidamente: "Por que fiquei parada? Por que minhas pernas não se moveram para atravessar aquela porta?"
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FRAGMENTO DE NÓS
RomanceEm uma pequena casa alugada, escondida na monotonia de uma cidade qualquer, vive Edison Andrade, um jovem de 21 anos, prisioneiro de sua própria solidão. Sua rotina é marcada pela ausência de conexões humanas, uma dieta desregrada e a presença const...