Capítulo 1 - O Ritual

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A grande tempestade lá fora quase impediu Martina de ouvir os gritos de Joaquim por ela, quase, se não fosse pelo fato de que não é todo mundo que grita desesperado “melancolima” já que essa palavra nem existe. Ela desceu correndo as escadarias velhas de seu prédio e abriu o portão forte. O estado de Joaquim era o pior possível. A cara vermelha de quem chorou por horas a fio, o corpo tremendo de frio e um buquê de rosas amarelas totalmente ensopado e esmagado em suas mãos.

— Sarah disse para eu não a procurar mais.

— Ela sempre diz isso e depois reinicia o ciclo.

— Ela poderia ter me dito isso ONTEM, QUANDO TAVA FAZENDO UM CALOR DESGRAÇADO AQUI NESSA PORRA DE BELO HORIZONTE. — A voz de Joaquim trêmula indicava claramente o próximo passo: Um choro descabido e sem freio. 

— Eu não abri a porta pra receber homem babão chorando e um frio desgraçado junto. Entra! — Martina puxou Joaquim pelo braço e num ato de desespero ele a abraçou. -Lá se vai meu pijama seco e bonitinho.

— Por que ela sempre faz isso? — Ele ignorou o comentário dela e enterrou seu rosto em seus cabelos ruivos. Ótimo, bye bye pijama roxo e verde dos Ursinhos Carinhosos.

— Porque ela sabe que vai te ter depois, é o ciclo sem fim como diria Elton John.

— Ele tem que fazer uma música dizendo que o ciclo acaba. — Joaquim levantou a cabeça e colou a testa na de Martina. — Obrigado melancolima.

-Esse apelido já te deu problema com a Sarah e a Alana e você continua usando?

— E continua sendo engraçado e pouco me importa a opinião delas — Ele afastou o rosto e fechou o portão atrás de si. — Pode fazer aquele ritual? -Joaquim segura as mãos de Martina perto do rosto se aquecendo.

— Quer dizer o ritual em que você desabafa sobre mais uma ex te destratar e eu lavo seu cabelo com um shampoo esquisito?

— E não esqueça da sopa, por favor. -Ele abre as mãos dela de uma forma em que seu rosto se encaixa entre seus dedos e vira a cabeça. — Por favorzinho.

— Tá, mas você vai arrumar a temperatura da água dessa vez, não aguento você reclamando aí tá muito quente ou aí tá muito frio. — Ele solta as mãos dela e começa a dar pulinhos pelo hall concordando.

— Ok, ok eu faço tudo o que você quiser, vem. — Ele a pega pelas mãos e começa a subir as escadas rápido. — Faz tanto tempo que não fazemos isso que até esqueci a ordem.

— Esqueceu que nada que eu sei, pode parar. — Ela tenta acompanhar os passos grandes do amigo até o 3° andar. Eles param na porta do 302 e ele se vira para observar se algum vizinho está dando sinal de estar ouvindo.

— Dessa vez nada!

— Aí você com essa cisma de que meus vizinhos se importam com minha vida, eu hein. — Ela passa na frente pra digitar o código na porta e entra no apartamento e Joaquim entra atrás.

— Não é cisma, é certeza. Você vive num prédio lotado de idoso, idoso é tudo fofoqueiro que eu sei. — Ele começa a tirar as roupas e jogar no tapete rosa claro enquanto Martina fecha a porta e vai esquentar o macarrão da sopa.

— Ei, isso é especulação maldosa pode parar.

— Que especulação o que? É a verdade e pode aceitar. Notas pra minha cueca? — Ele para no batente da porta da cozinha alternando entre poses mega dramáticas e de machão só de cueca verde clara e meias de banana.

— Dá pra ver seu…

— Eu sei! Era nosso aniversário de 4 anos hoje, ok? Inclusive — Joaquim entra na cozinha e abre um armário alto com vasos coloridos. — Pega aquele azul ali? — Ele aponta para o vaso azul claro com formato reto cheio de linhas brancas no alto. Martina pega e entrega a ele e se agacha para pegar o macarrão.

MelancolimaOnde histórias criam vida. Descubra agora