Capítulo 3 - São Paulo

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Martina pisava forte em linha reta rumo a casinha de estilo Brasil colonial sem perceber que o sinal havia aberto, só uma buzina de um Fusca amarelo lhe tirou de sua própria fúria e fez com que ela recuasse. Como Joaquim pode sumir assim? Como ele não foi no funeral da garota que o tinha ajudado com tantas coisas? Como ele pode fazer isso? Enfim, quando o sinal abriu, ela atravessou a ruazinha e bateu na porta vermelha sangue, não demorou para que sua prima Fernanda a abrisse.
— Ah oi, ô Martina vem cá — A mulher morena baixinha a puxou para um abraço apertado. -Fiquei sabendo do acidente da Alana só ontem de tarde. Que tristeza. Vem, entre. — Ela a soltou e abriu mais a porta para Martina entrar. -Como foi o velório?
— Sombrio, bem quieto.
-Do jeito que ela era.
— É, Alana até tinha escrito uma carta dizendo como seria seu funeral perfeito, eu acharia mórbido se não conhecesse ela.
— Era o jeitinho dela. Ah, Joaquim está lá no quarto fazendo as malas.
— As malas?
— Não ficou sabendo? Ele passou naquele teste de admissão em uma escola de dança em São Paulo, ele vai finalmente conseguir ser o professor que sempre quis. — Isso foi como um tiro no peito para Martina, como seu amigo pode não ter contado tal novidade a ela? E como assim voltar para São Paulo? Ele não comentou nada daquilo, nunca. Ela forçou seu melhor sorriso e abaixou a cabeça repensando tudo o que aconteceu nos últimos dias.
— Ele está no quarto dele, você disse? — Foi a única coisa que conseguiu dizer.
— Isso, lembra onde fica né?
-Terceira porta à esquerda. — Reuniu todas as forças que tinha e foi em direção ao cômodo, deu duas batidinhas distintas na porta, igual faziam na infância e respirou fundo. Logo Joaquim abriu.
— Não comece.
— Não começar? — Ela alterou o tom de voz e entrou no quarto azul claro batendo a porta. — Você não foi no velório de uma das mulheres que mais te ajudou, do meu amor, eu te pedi pra me acompanhar e você disse que iria. — Martina foi pra cima apontando o dedo no rosto de Joaquim. — Eu só quero saber o por quê?
— São coisas que vão além de você. -Ele disse a afastando lentamente.
— Tipo o quê?
— Não quero falar disso agora.
— Ah, mas você vai falar.
— Não, não vou. Eu não quero e não tem porque eu te dizer.
— Por que você disse que iria me acompanhar?
— Você estava frágil, totalmente abalada. Eu precisava te apoiar.
— Então me apoiasse até o fim.
— Não deu, realmente não deu. Acredite em mim, eu queria te apoiar mas não pude, não tive forças pra isso. -Os dois estavam chorando nesse ponto, mas eram choros diferentes. O dela, de inconformidade, o dele, de tristeza.
— VOCÊ É UM COVARDE, É ISSO QUE VOCÊ É.
— Eu sei.
— Que ódio que eu tô sentindo. Ela te ajudou tanto, fez tanto por você igual eu nunca vi ela fazer por ninguém. E eu precisava de você lá, comigo. Você sabe o quanto eu precisava. Nunca vou te perdoar.
— Eu não tô pedindo seu perdão. — Então Martina gritou caindo no chão desolada, se estapeou e tudo. Joaquim foi até ela e fez a força que foi preciso para lhe segurar e fazer o de sempre que fazia para acalmar a amiga. Com a testa já fixada na dela, ele respirou calmamente. — Escuta, é algo além de você. Um dia você vai entender, eu prometo, mas esse dia não é hoje.
— Eu não tô puta só por isso. São Paulo, Joaquim. Você nunca me contou sobre.
— Ia te contar na manhã de ontem, esse era meu plano, mas aí
— Aí veio a notícia da morte de uma das suas grandes amigas e você não se sustentou.
— Básicamente. Olha, me escuta. — Ele se sentiu no chão junto dela e pegou suas mãos colocando ao redor de seu rosto. — Eu vou pra São Paulo agora e conquisto o que tiver que conquistar sozinho. Me dói muito ter que te dizer isso, mas preciso ficar sozinho, sem Sarah, Alana, e até sem você. Finja que eu não existo por um tempo, ok? Por favor.
— Quer que eu brinque de agir como se você também tivesse morrido?
— Tipo isso. Só um pouco.
— Então adeus para sempre Joaquim. — Ela se levantou rápido e abriu a porta em disparada para a saída.
— Não quer um pudim de leite? — Martina conseguiu ouvir Fernanda lhe oferecendo, mas já estava fora da casa para poder responder. Ela saiu andando com mais pressa do que quando havia chegado. Parou num parque quando não tinha mais fôlego e pegou sua bombinha de ar na bolsa. Inferno!

Ali estava Martina, sem seu amor, sem seu amigo, sem ninguém, do nada, de supetão. Então isso, claro, desencadeou seus problemas respiratórios, agora só falta sua depressão, tudo voltou a ser uma grande bagunça, tudo o que ela menos queria. Caralho ela só queria que seu amigo a tivesse acompanhado no funeral da sua ex noiva e de uma grande amiga para ele. E daí recebeu essa notícia de São Paulo e ele querer ficar sozinho. Pelo jeito nem com ele dá pra contar mais.

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