Monachopsis

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Um coração. Um balão. Uma casa. Flores. Nomeados com esmero, preencheu tudo com cores fortes e um vigor desnecessário. Com a mesma concentração espartana, subiu para o cabeçalho, onde pôs seu nome.

Roxanne Jude Sepúlveda.

Não gostava muito dele. Achava o nome de Marianne muito mais bonito. E o da sua amiga também; não tanto quanto o de Marie, claro, mas ainda era mais bonito que o dela própria. Mas aquele foi o nome que tinham escolhido para ela, seu papai e sua mãe.

Na borda da cama, olhou para o papel amassado, como um artista que aprecia seu mais primoroso trabalho. Observou a flor que havia pintado com um tom escuro anormalmente berrante, um vinco apareceu em sua testa.

- Por que não existe flor preta? - a dúvida escapou, mas desapareceu tão rápido quanto surgiu. A menina virou a página, indo para uma nova atividade. Eram um monte de cálculos, soma e subtração. Já tinha feito isso antes, uma vez - A Amanda não foi pra escola hoje. A professora disse que ela tava com catapora - contou, balançando os pezinhos para frente e para trás, o ritmo descompassado acompanhando seus pensamentos dispersos - Você sabia que catapora dá coceira? - ninguém respondeu. Sem se deixar abater, prosseguiu com sua recém-descoberta tagarelice, o som do lápis riscando o papel - A professora falou que não pode coçar porque pode deixar cicatriz. Eu nunca tive catapora. Será que dói muito? Mamãe disse que eu tenho que tomar cuidado com doenças, mas eu não sei como tomar cuidado com uma coisa que eu não posso ver.

Ela parou por um momento, observando o exercício de matemática.

- Essa conta é fácil. Eu consigo fazer de cabeça - murmurou, voltando a rabiscar os números na folha. Havia algo quase mágico na maneira como os números se alinhavam perfeitamente, como se fossem feitos um para o outro. Matemática era realmente um mistério - Amanhã vai ter prova de ciências. A gente vai aprender sobre os planetas. Eu gosto de Saturno, ele tem anéis. Sabia que os anéis são feitos de gelo e pedras? Parece um monte de pedrinhas mágicas, né? - de novo, ninguém respondeu. Roxie largou o lápis na cama, um bico se formando enquanto olhava para o nada - Você tá me ouvindo?

Como era de costume, ouviu um suspiro.

- Eu estou a meio metro de você, criança - a voz veio de um canto mais escuro no quarto à meia-luz - Estranho seria se eu não estivesse ouvindo.

Ela fez uma careta. Como esperava, o sr. Cochlios estava se escondendo de novo.

Haviam se passado alguns poucos dias desde sua última punição, e de lá para cá, aprendeu algumas coisas sobre o sr. Cochlios.

Primeiro, ele era muito, mas muito tímido. Seu medo de ser visto sempre o fazia se esconder nos cantos mais escuros, dentro do guarda-roupas, nas sombras dos móveis, até mesmo debaixo de sua cama. Não importava o quanto a menina sempre falasse que não ligaria mesmo que ele fosse muito feio, mesmo que ela só estivesse curiosa para ver nem que fosse só um pouquinho do rosto dele.

Segundo, diferente dela, o sr. Cochlios tinha uma família bem grande. Haviam irmãos, vários papais e várias mamães, primos, titios e sobrinhos, todos vivendo juntos em um lugar cujo caminho apenas os mais espertos conheciam. Mas, assim como a de Roxie, eles também não se gostavam muito, e isso já fazia muito tempo, desde antes de terem caído.

Não fazia ideia do que aquilo queria dizer, e seu amigo sempre mudava de assunto ou se calava quando ela perguntava mais sobre isso. Em raros momentos, ele mencionava nomes que Roxie não conhecia, e sua curiosidade só aumentava.

Terceiro, ele também era muito quieto. Na maior parte do tempo, era a menina quem falava pelos cotovelos, sobre os colegas, sobre a escola, sobre o pai (não exatamente nessa ordem). Às vezes, quando parava de falar e o silêncio perdurava, se perguntava se ele ainda estava ali, a olhando do escuro, sua presença denunciada apenas pelo som que fazia ao respirar.

Leucochloridium ParadoxumOnde histórias criam vida. Descubra agora