O passado persegue.

14 0 0
                                    

23 de Abril, 2016.

E as duas garotas corriam pelo bairro, meramente com pessoas ao seu redor.

Os cabelos castanhos - que um dia já foram loiros - da garota já estavam bagunçados, os fios embaralhados um nos outros. E ela sorria, afirmando que sua amiga não a alcançaria.

Já logo atrás dela, eu corria para combinar com seu ritmo, com seus passos. Nossas bolsas, pesadas com os livros desnecessários, limitavam nossa velocidade, nos deixavam mais cansadas, mas tudo bem.

Era assim na saída da escola, nós duas faziamos o que bem queríamos para nos divertir, e que os outros nos encarem. O importante era estar uma com a outra.

Mas aí eu me deparava com a foto dela colada num poste, o papél de desaparecida quase sendo levado pela brisa.

Annie Abbie, doze anos. Desaparecida há uma semana.

E eu nunca pude me esquecer. Dói quando as pessoas vão assim, tão de repente. E você mal teve a chance te se despedir de forma adequada.

Meus curtos cabelos pretos e cacheados se moviam na direção do vento, e meus olhos castanhos travaram naquela imagem. Era por isso que ela não havia respondido minhas mensagens, faltado na escola.

E eu nunca pude me despedir. Nunca pude me conformar.

Que ela se foi.

.

.

.

06 de fevereiro, 2024.

A caminhada até a universidade cansava meus tornozelos. Não era curta, nem um pouco. Pelo menos se eu tivesse uma bicicleta...

Ah, e meu nome. Pode me chamar de Milly. Milly Cassan. Ou pelo menos era assim que as pessoas me chamavam antes da minha melhor amiga desaparecer do nada. Agora eu sou conhecida como "A Melhor Amiga da Garota que Sumiu". Era sempre assim que as pessoas se referiam a mim quando paravam seu caminho ao me reconhecer.

Não foi fácil ter meu nome exposto nos jornais de Chicago. As pessoas diziam para eu estar grata sobre ter a televisão tão atenta no desaparecimento da minha amiga... Mas a que custo, quando havia jornalistas me cutucando todos os dias quando eu tinha apenas treze anos? Foi uma dor de cabeça que não me deixou dormir por um bom tempo.

E agora, com 21 anos, eu estaria mentindo terrivelmente se eu dissesse que pude superar o que aconteceu. A polícia faz questão de dizer que ela fugiu por conta própria, mas eu me recuso a acreditar.

Conheço aquela garota como conheço o meu reflexo. Ela não seria capaz de fugir, apenas porque ela quis.

Eu subi as mesmas escadas de sempre, e ignorei os olhares - inexistentes. Quando abri a porta, esperava um tulmuto, mas incrivelmente, os corredores estavam um silêncio. Talvez pois eu estava atrasada?

Mas não era uma novidade para mim. Não tive pressa, fui até minha sala com o meu tempo, e ao chegar, minha mão imediatamente foi para a maçaneta. Mas eu parei. Modos, não é mesmo? Ao dar três batidas, ouvi a voz familiar vindo de dentro:

– Pode entrar.

E assim eu fiz. Abri a porta, entrando rapidamente e tentando miseravelmente caminhar até minha cadeira antes de ouvir aquela voz novamente.

– Você se atrasou, de novo. Eu deveria parar de te deixar entrar assim, sabia? – Lila, minha professora de Português falou alto e claro, e eu senti aquele arrepio correndo pela minha espinha como se estivesse apostando corrida contra o vento.

– Desculpe. Você sabe que minha casa fica longe... – Eu respondi, apesar de saber que minha desculpa não importaria para ela. A mesma já havia voltado o olhar para o quadro antes de eu terminar minha frase, me deixando ligeiramente frustrada.

ProfundamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora