Ajoelha-te, profano

53 4 6
                                    

Aviso!
Conteúdo sexual, palavras de baixo calão e temas religiosos, esta história contém passagens que podem ser consideradas blasfêmias, caso não goste, peço que se retire.



Ajoelha-te, profano


A devoção de Vessel nunca foi contestada, sua fé e submissão a Deus não eram alvo de desconfiança, quem diria que o receptáculo mais valioso de Sleep se curvaria a outro ser? Não era possível o acusar de estar desviado da servidão, de render mãos e dobrar os joelhos para qualquer imundice humana e herege. Ensinava com sua voz, cada adoração e rito para o Superior era o mais sagrados dos momentos, uma gota de seu sangue era como sentir a sombra de deus, uma gota de sua saliva era como ter deus inteiro em matéria. Aliás, haveria algo mais precioso que sua boca? Seus lábios esculpidos, sua voz no timbre em que os céus estremeciam, o grito de expulsão, fúria e amor, como um gemido sufocado, sua língua que tremia e transpassava cada tom único e inebriante, seus dentes afiados e bem desenhados. Haveria como negar sua submissão? Haveria como negar que Vessel por inteiro era uma criatura sagrada, porém unicamente sua essência prazerosa para os deuses e para os pequenos servos, aqueles que iam à adoração ouvi-lo cantar e se entregar, com as finas lágrimas que poderiam recriar um mundo inteiro, era oque fazia com sua boca?

III sabia que definitivamente não.

Porém, oque um corpo imaculado-sagrado saberia fazer de profano? De carnal? Oque ele sabia sobre entregar prazer? Talvez tudo, talvez nada. Talvez ele soubesse curvar seus joelhos, e não era para rezar. Firmes mãos segurando a pele como agarravam os recipientes das oferendas, olhos que nunca se desviavam, assim como ele próprio nunca ia contra as vontades de seu Deus, e os lábios presos sobre a parte carnal, pecadora, herege e libertadora. Pois afinal, se a divindade o mandava fazer oque lhe fizesse bem, então faria sem contestar, não é? Pois Sleep o dizia para se entregar, se curvar, agarrar e não soltar, e era oque faria prostrado á frente do baixista. Nunca haveria adoração melhor do que seus gemidos de prazer, a vibração de suas cordas vocais, do seu corpo queimando enfervescente, ardendo de desejo, os cabelos fumegantes com pequenos fios grudados em sua testa como prova de que Vess sabia fazer muito mais do que apenas cantar ou orar. Pois se era para se entregar, ia por completo.

Vez ou outra o receptor mais novo se recordava de como o Líder se ajoelhava perante ao altar, com as mãos juntas, cabeça abaixada e olhos fechados. Seu momento era diretamente proporcional ao que vivenciava quando a noite caia. Mas que homem santo! Se abaixava como santa Maria¹, juntava as mãos como devoto e preenchia sua boca com a missão que lhe foi dada, assim como os anjos vinham dos céus para cumprir oque lhes foi ordenado. Pagava seus pecados, o tremor em suas mãos e o calor que envolvia III, naquela devoção e oferenda silenciosa, ainda que não fosse para Sleep. Puramente humano, puramente carnal, puramente imundo, puramente profano. Porém, não existe nada tão puro quanto pecar. Quando a língua tremia para alcançar o tom em que todos se conectavam, para elevar os fiéis e consagrar novamente a comunhão com sua divindade, ou quando sua ponta passava pela pele fervente de III, para proporciona-lhe prazer e o fazer estremecer mesmo em sua posição dominante.

Porque ele era santo, não era? Ele se curvava e rezava. O baixista ainda lembrava-se perfeitamente de quando chegou na casa, de quando o receberam e de sua oferenda que o colocou no lugar onde está hoje. Após isso se tornou recorrente Vessel ir acompanhá-lo enquanto orava, porém a mais vívida memória desses momentos foi de quando fez sua primeira oração, e o Líder pesou seu olhar sobre ele. Ao mesmo tempo que soava confiante, sua pose diminuia ao encarar o altar e recordar que teria de se prostrar diante do deus ainda desconhecido. A presença do outro ser, o farol, o líder, a mais valiosa peça de Sleep estava ali para lhe reconfortar. Quem diria, que quem poderia ser chamado de divindade compartilhasse o mesmo teto de quem poderia ser chamado de novato, e ainda mais: o acolhesse como se já fosse parte dele - em seu âmago sabia que ele sempre esteve ali, fosse em sua falta, fosse em sua exuberante presença -. Quando III se embaralhava nas palavras, ao invés da repreensão que esperava, recebia palavras acolhedoras. Porém, Vessel nunca havia o visto rezar, se ajoelhar no chão e sussurrar apenas para si e seu Deus. Talvez houvesse esquecido de avisá-lo isso.

Ensina-me a RezarOnde histórias criam vida. Descubra agora