02 - Pedro

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Pedro Tófani

Os grandes pintores, escritores, filósofos e artistas do mundo inteiro, dizem, em suas obras, que o olhar transmite mais sentimentos do que palavras podem afirmar.

Os olhos humanos podem expelir felicidade, tristeza, raiva, angústia… basta apenas sentir.

A questão é que eu nunca consegui fazer meus olhos brilharem. Eles parecem mortos às pessoas ao meu redor.

E mesmo assim, nenhuma delas percebe.

Sempre disseram-me que, quando uma máscara é posta para jogo, é muito difícil retirá-la.

Sentando no meu quarto, olhando para o teto e brincando com o pomo de ouro que havia pego na nossa última partida, tentei focar meus pensamentos e sentidos no presente.

— Pedro, você viu meu boné marrom com aquele símbolo branco? — Marcos, meu colega de quarto desde o início dos meus estudos, perguntou enquanto revirava todas as suas roupas.

Ri anasalado, segurando o pomo e apontei para a cadeira da sua mesinha de estudos. Ele bufou, revirando os olhos e pegando o boné, vestindo-o na cabeça logo em seguida.

— Valeu, Pê! — ele agradeceu, sorrindo e saindo pela porta.

Marcos e eu somos amigos e colegas de quarto há sete anos, mas sempre acho muito engraçado o fato de que ele nunca dorme aqui. Está sempre pulando de cama em cama até achar uma que o abrigue por mais tempo do que as outras.

Nos conhecemos quando eu entrei no quarto, Chicória agarrada às minhas vestes e uma mala cheia de roupas em um braço.

Ele me recebeu com um sorriso enorme, me ajudou e, de certa forma, eu também o ajudei naquele dia. De forma silenciosa, alguém que vive de bar em bar e de ressaca em ressaca, fez uma amizade bem genuína com o bastardo inteligente.

Bastardo significa, em termos mais diretos, algo que não é puro em relação à espécie a que pertence. E é isso que eu sou. Nunca foi um tabu para mim em casa que meu pai se separou da ex esposa porque amava muito minha mãe - e porque não queria ter um filho fora do casamento.

Meu pai é um sonserino - um puro sangue legítimo - e minha mãe é uma meio sangue da minha casa, Corvinal. Os dois se casaram oito meses antes de eu nascer e vivem juntos até hoje. Um homem de cargo alto no ministério da magia e uma cientista que busca a cura para o câncer são de grande estima para manter o título de bastardo longe da minha cabeça.

Nunca me foi exigido ter notas além da média. Em casa, meus pais queriam que eu aprendesse e não provasse meu valor com uma prova (eu não concordei com essa frase, para deixar claro. Uma vez eu surtei por ter errado uma única questão de quarenta, mas sim que fizesse algo a mais. Algo que preenchesse meu currículo.

Haviam várias matérias extras, mas minhas boas notas me permitiram escolher algo que eu gostasse. Então escolhi o quadribol e jogo-o desde meu terceiro ano em Hogwarts.

Marcos também joga. Malu é minha vice capitã (eu sou o capitão), Jonas busca a paz sempre que há brigas entre times (não sou um bom exemplo de paciência - uma vez briguei horrores com uma Grifinória insuportável que tingia os cabelos todos os dias), Kira dá socos quando necessário (ficamos de detenção uma semana, mas isso não vem ao caso) e Martina e Camila não gostam de ninguém fora da nossa casa.

Em resumo, Jonas é o único do nosso time que não é perturbado. Graças a isso, o quadribol é sempre interessante quando jogamos.

O relógio do meu celular marcava seis e cinquenta da tarde e finalmente tomei coragem para me levantar da cama confortável. O jogo contra a Grifinória era às oito e eu não queria me atrasar para acabar com a raça deles (André, Alana e Fran que me perdoem, mas todos os jogadores do time são um porre de tão insuportáveis).

Coloquei todas as minhas coisas em uma mochila, verificando as últimas mensagens do nosso grupo. É meio clichê, mas o nosso ano tem um grupo só nosso: parece tosco falar assim, mas as outras três casas tem grupos conjuntos ou panelinhas, então eu chamo de clichê.

Saí do quarto, cumprimentando todos os alunos que eu via com a melhor máscara de simpatia que eu consegui produzir no momento.

Senti um braço prender o meu e meu corpo tencionou um pouco antes de reconhecer o toque acolhedor da minha melhor amiga, Malu.

— Hoje o dia promete! — ela disse, beijando minha bochecha. Carregava uma bolsa tão rosa que chamava a atenção de todo mundo.

— Você sabe que o jogo é à noite, né? — incomodei-a, recebendo um beliscão no braço.

— Não estamos tendo aula sobre o tempo das palavras na língua portuguesa, Pedro! — exclamou, distraída e mexendo nos cabelos escuros. — Só queria dizer que temos que acabar com os Grifinórios hoje. — ergui uma sobrancelha pela sua fala. — Eles conseguiram deixar a capitã anã da sonserina de detenção.

Malu tem apelidos para todas as pessoas da escola. E ela faz questão de dizer todos os apelidos na frente das pessoas. Giovana é a primeira mulher a ser capitã da sonserina em séculos - acho que até foi a primeira. Como forma de fazer mais amigos do que já tem (ela já tem muitos amigos), Malu formou uma pequena aliança com a sonserina: sempre incomodar os Grifinórios.

— Sério isso? E a Giovana não lançou uma imperdoável em nenhum deles? — perguntei, mordendo os lábios para não rir porque sabia que a minha piada tinha muito fundo de verdade.

Paramos em frente a entrada para os vestiários - cada um ia para um lado agora.

— Espero que isso dê gás suficiente para você pegar aquele pomo de ouro mais uma vez. — declarou, não me deixando responder.

Entrei para os vestiários, larguei minhas coisas em um canto qualquer - eu ficava sozinho ali durante um bom tempo pois era o primeiro a chegar.

Me alonguei rapidamente, lavei o rosto algumas vezes e sai para dar uma respirada decente. Fiquei o dia inteira fazendo as mesmas coisas: escutei o repertório das poções com Snape - ele falou tanto que achamos que ele nunca mais falar na vida dele depois dessa palestra que ganhamos; mexi no celular e li as notícias do mundo trouxa para me atualizar das focos dos famosos (descobri que Sabrina Carpenter é criticada por ser gostosa); brinquei com chicória (levei dois arranhões quando ela se estressou, mas finge que nem vi); pensei sobre como eu odeio que as pessoas encostem na minha pele; e que me incomoda muito o fato de não conseguir olhar nos olhos das pessoas.

Mas isso não é história para se pensar em um pré jogo.

Meu corpo inteiro tencionou após ouvir um barulho estranho perto da minha cabine, mas relaxei visivelmente quando uma resmungou alto foi captado pelos meus ouvidos.

— Não é possível uma coisa dessas. — a voz reclamou. — Por que você nunca veio em um jogo antes, burro do caralho? — ele falava consigo mesmo. Provavelmente acha que está sozinho.

Seus passos se aproximaram do vestiário e logo pararam.

— Precisa ter um banheiro aqui. — decretou e seus pés voltaram a bater no chão, dessa vez com menos força.

Eu ri baixinho - não podia gargalhar ou ele ia perceber que não estava sozinho. Não vou fazer ele passar pela vergonha de descobrir que escutei suas divagações.

— Nunca mais venho ver um jogo desses. — seus passos finalmente sumiram e esperei mais um pouco para explodir em uma gargalhada.

Quando me dei por mim do que havia acabado de fazer, tentei me concentrar no jogo de novo. Uma pessoa perdida fez toda minha concentração sumir e senti os pelos da minha pele se arrepiarem por baixo das vestes de quadribol.

Pisquei os olhos rapidamente, voltando ao que estava fazendo. Eu era o capitão e nós iríamos ganhar esse jogo.

KÁTHARSIS - PejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora