4
Entramos no apartamento e mexemos desajeitadamente nos interruptores de luz. Nada aconteceu. Antoine abriu duas venezianas. O sol precipitou-se para dentro do ambiente. Os cômodos estavam nus, empoeirados. Sem mobília, a sala de estar parecia imensa. Os raios dourados estavam oblíquos pelas longas vidraças encardidas, salpicando as tábuas do assoalho marrom-escuro.
Olhei em volta para as prateleiras vazia, para os quadrados mais escuros nas paredes em que costumam pender lindas pinturas, para lareira de mármore que me fazia lembrar de tantos invernos quando a fogo ardia, e de Mamé estendendo suas mãos pálidas e delicadas na direção do calor das chamas.
Postei-me ao lado de uma das janela e olhei para o pátio Verde e tranquilo lá embaixo. Fiquei feliz por Mamé ter ido embora antes de ver seu apartamento vazio. Isso poderia tê-la deixado perturbada. Eu fiquei.
- Ainda tem o cheiro de Mamé - comentou Zoe. - Shalimar.
- E de Minette, aquele bicho horrível - acrescentei, levantando o nariz. Minette havia sido o último animal de estimação de Mamé.
Uma siamesa com incontinência urinária.
Antoine me olhou surpreso.
- A gata - expliquei. Desta vez, falei em inglês. É Claro que eu sabia que la chatte era feminino de "gato", mas também podia significar "xoxota". A última coisa que eu queria era fazer Antoine dar risada por causa de algum duplo sentido.Antoine avaliou o lugar com olhar profissional.
- O sistema elétrico é antigo - ele observou, apontando para os fusíveis de porcelana brancos e antiquados. - O aquecimento também.
Os aquecedores gigantescos estavam negros de sujeira, escamosos como répteis.
- Espere até ver a cozinha e os banheiros - retruquei.
- A banheira tem garras - disse Zoe. - Vou sentir falta delas.
Antoine examinou as paredes, dando pancadinhas com o nó dos dedos.
- Suponho que você é Bertrand queiram reformá-lo completamente? - perguntou, olhando para mim.
Encollhi os ombros.
- Não sei exatamente o que ele quer fazer. Mudar para este lugar foi idéia dele. Eu não estava muito animada com a idéia de mudar para cá. Eu queria algo mais... prático. Algo novo.
Antoine sorriu.
- Mas vai ficar novinho em Folha depois que a gente terminar.
- Talvez. Mas, para mim, este sempre será o apartamento de Mamé.
O apartamento ainda tinha as marcas de Mamé, mesmo depois de ela ter se mudado para um asilo, nove meses antes. A avó de meu marido morou aqui durante anos. Lembrei-me do nosso primeiro encontro, 16 anos atrás. Eu havia ficado impressionada com as pinturas antigas, a lareira de mármore, que ostentava fotos de família emolduradas em prata lavrada, a mobília elegante, enganosamente simples, os numerosos livros alinhados sobre as prateleiras da bibliotecas, o piano de cauda coberto com um suntuoso veludo vermelho. A sala de estar ensolarada dava para um sereno pátio interno com uma espessa camada de hera que se estendia por sobre a parede oposta. Tinha sido bem ali que eu a encontrava pela primeira vez, que eu estenderá minha mão para ela, sem jeito, não estando ainda habituada com o que minha irmã Charla chamava de "essa coisa beijoqueiros francesa".
Você não aperta a mão de uma mulher parisiense, mesmo que você a esteja encontrando pela primeira vez. Você deve beijá-lá uma vez em cada face.
Mas eu ainda não sabia disso na época.