Reescrito: CAPÍTULO 01

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Chamas do passado.

“Viver no passado é uma forma de justificar um presente tão miserável? Culpar as outras pessoas pelo seu insucesso? Até onde isso é plausível.”

Contra o chão, o rapaz de cabelo escuro observa as figuras maiores sendo coberto por suas sombras. Os lábios cortados esbanjam um sabor metálico, as mãos arranhadas ardem envoltas por terra e areia, enquanto sua audição é afetada gradualmente sem conseguir compreender nenhuma palavra dirigida a si. Com o corpo fraco, o garoto apaga totalmente contra o gramado úmido.

      As memórias são as escritas no livro do homem, há pessoas que tiveram uma juventude boa e cheias de virtudes, outras que comeram o pão que o diabo amassou. Infelizmente ou não, a vida não pegou leve com aqueles que nasceram sem nada. Mas diferente de muitas pessoas, o passado não pareceu afetar o futuro de um claro fracassado.

Quando somos crianças, nos preocupamos com a escolha do desenho favorito, com qual super-herói parecemos ou qual doce é mais saboroso. Mas quando crescemos sem nenhuma preparação, acabamos encontrando um mundo repleto de dificuldades, e ser adulto é uma delas. A vida saborosa é aquela que obtém bons resultados, mas não há sabor na vida dos perdedores e Choi Jin-Wan compreende isso como ninguém.

Sem amigos, sem vida profissional, sem namorada e sem um futuro promissor. Como qualquer fracassado, esperava seguir seus sonhos e se tornar um grande escritor, mas não havia nada que pudesse fazer sem dinheiro e apoio. Acreditou na melhora da própria insuficiência, e foi essa esperança  que o trouxe para onde está agora.

Apesar de ser jovem, sua aparência está em cacos e sua vida financeira também. Por isso, se sujeitou a viver com uma baixa qualidade, ou melhor sobreviver. Deitado na cama, o homem encara o inseto que anda nas paredes externas do guarda-roupa, trazendo uma grande reflexão para o homem. O que faz alguém ser miserável? Choi sempre pensou que o dinheiro fosse base de tudo e que precisava conquistar sua independência, mas observando sua situação atual consegue perceber que não é exatamente isso.

Em geral, a pobreza assola a maioria da população e obriga todos a viverem em uma situação lastimável. Levantar antes do dia amanhecer, tomar um banho gelado e ir para um emprego mal remunerado, enquanto torce para seu aluguel não ser cobrado quando chegar em casa. Não há qualidade, não almoçar para poder jantar, dormir antes de anoitecer para poder ter pelo menos 6 horas de sono. Choi está incluso nessa população, precisando viver em seu limite todos dias e economizar para conseguir pagar tudo, isso o torna miserável e o desejo de desistir é muito maior do que sobreviver. Mas felizmente ou não, o homem tem medo de não ter outras chances.

      Caminhando pelas ruas menos traiçoeiras daquele bairro, desejando que um meteoro caia na cabeça do síndico que continua cobrando o aluguel, mesmo entendendo que o homem também está sobrevivendo. A fumaça é solta por sua boca, enquanto a nicotina invadiu seus pulmões e tentou fazer o papel do coração, sobreviver a mais um difícil.

O bairro é coberto por neblina em todas as manhãs, cheio de pequenos prédios com aparência deteriorada e pessoas mais estranhas ainda. Somente no primeiro mês do ano, duas pessoas foram encontradas mortas dentro de sacos de lixo e todas elas voltavam do trabalho tarde da noite, por sorte ou não, as duas eram mulheres. O assassino tem origem desconhecida, a polícia apareceu duas vezes e depois nunca mais retornou, desde então, o medo se alastrou e quando a noite cai não há sinal de humanidade na rua.

Choi trabalha em uma pequena loja de conveniência, próxima de uma escola de ensino médio e diariamente presencia adolescentes comprarem bebidas alcoólicas, o dono do comércio também está se esforçando para sobreviver enquanto diminui o tempo de vida das outras pessoas. Por sorte, o atendente não se importa tanto com outras pessoas, vivendo a própria vida.

Forçando um sorriso, tenta passar sua falsa simpatia para todos que entram e saem do estabelecimento, vez ou outra separando brigas entre drogados e bêbados, uma realidade totalmente paralela ao que conta para seu irmão mais velho pelo telefone.

— Senhor Beom, agradeço por me liberar amanhã. — Choi agradeceu, abaixando a cabeça em frente o mais velho.

— Não agradeça, você me prometeu hora extra. Escute, pode vir cobrir no sabádo a noite, muita gente quer comprar tarde da noite.

Tarde da noite, é de conhecimento geral para todos os moradores o quanto a noite é perigosa naquele bairro, mas se quiser continuar a trabalhar teria que aceitar as condições. Com sorte passaria na entrevista de amanhã, para focar realmente na sua carreira e futuramente viver mais confortavelmente, mesmo que pareça uma realidade difícil de encarar.

      O expediente encerrou às onze da noite, Choi cruzou as ruas escuras com o semblante fechado e uma música rebelde tocando sem seus fones, como de costume enxergou dois homens brigando pelo caminho que passaria. Socos, pontapés e xingamentos que eram abafados pela música, com as mãos no bolso ele atravessou sem esquentar a cabeça. Entrou no prédio e como sempre, o porteiro mal pago dormia sem se importar com a segurança dos moradores e sem ouvir a briga do casal do primeiro andar, em meio ao caos Choi subiu para seu apartamento pela escadaria escura, sendo um percurso ao qual está acostumado.

Deixou a mochila na poltrona e tirou os sapatos, abriu a geladeira praticamente vazia e tomou um pouco de água, aproveitando para despejar na embalagem de macarrão instantâneo. Todas as situações e movimentos do dia pareciam estar no piloto automático, nada de interessante afeta sua vida e prossegue sendo uma grande repetição.

Antes de completar seus quinze anos e mudar de escola, Choi era mais feliz, mas esquisito aos olhos de muitos garotos do novo colegial. Havia muitas pessoas cheias de ódio e inveja, lamentavelmente Choi Jin-Wan foi escolhido como alvo desses sentimentos. Mas Choi não julga ou sente repulsa de alguém, sempre acreditou estar predestinado a uma vida ruim e repleta de medo, os mais fracos sempre estarão oprimidos e homem nunca desejou ser um opressor.

      O banho foi gelado, mas dessa vez por opção. Comeu com graça o lámen de galinha caipira e bebeu água até seus rins dizerem chega, então pousou a cabeça cheia de conflitos sobre o travesseiro e encarou as luzes dos postes refletidos no teto.

O sono já controlava os olhos do homem, quando a vibração e a luz do celular fizeram seu cérebro ligar novamente. Alcançou o aparelho com dificuldade e abriu as notificações, enxergando as mensagens e imagens de viaturas policiais.

— Que divertido, mais uma morte sem sentido. Como se a polícia ligasse pra merda desse bairro. — balbucia sem humor, bloqueando o aparelho e deixando sobre a mesa de cabeceira com a tela para baixo.

“Mais um dia miserável chegou ao fim.”

“Para quem está vivo.”

[...]

A garota anda distraída com um bolo de arroz em mão, claramente preocupada em acabar com sua fome. Acostumada com a escuridão, não parece preocupada em se afundar cada vez mais fundo no imenso corredor, faltando pouco para chegar em casa. Porém, não há apenas ruídos de seus passos, também de uma companhia muito mais pesada que si. Rapidamente esqueceu a comida e pegou o celular da bolsa, os dedos batem desesperados contra a tela enquanto aumenta a velocidade com a qual anda.

Próximo de sua casa, ela consegue discar o número da emergência, entretanto não conseguiu falar uma única palavra. O corpo pequeno caiu contra o asfalto gelado e áspero, o telefone teve a tela trincada e foi disparado para longe descendo ao longo da rua. Se agonia ou dor, a mulher foi arrastada pelos pés espalhando o seu DNA até chegar no furgão preto e desaparecer totalmente, ela e seus rastros. 

Cartas do meu assassino.Onde histórias criam vida. Descubra agora