Disfuncional

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A vista da sacada do hotel em que estava hospedada é bem bonita, apesar de ser bem alta. Elliot escolheu os quartos no décimo quinto andar, porque era um dos únicos disponíveis para hospedagem. Manassas acordou com o clima frio, com neblina e vento gélido. As pessoas andavam agasalhadas nas ruas, do ponto em que eu estava, conseguia avistar a logo do hospital não tão distante. Eu aguardava ansiosamente o horário de visita, havia ligado para Lizzie assim que acordei para ter notícias. Tudo permanecia igual. O interfone do quarto tocou, fui atender. Fiquei intrigada com a visita repentina da pessoa que eu menos esperava encontrar.

Simon se fez presente no quarto, olhou ao redor como se analisasse cada centímetro. Não esperava uma visita dele, imaginei que estivesse bem longe da cidade, como ele mesmo havia dito ao Gregory.
— Por que não voltou para casa? Eu esperei para me despedir de você antes de viajar — ele beija o topo da minha cabeça.
— Eu, achei melhor me hospedar mais perto do colégio e hospital. Estava cansativo o trajeto diário.
Ele coloca a mão no queixo, de forma pensativa. Falei que ele podia ficar a vontade. Ele usava roupas de viagem: calça de alfaiataria preta, camisa social branca, sobretudo de lã longo (preto) e sapatos Prada Oxford de couro escovado da mesma cor do sobretudo.
— Eu estou a caminho do aeroporto na verdade, resolvi passar aqui com você antes de ir — ele me lança um sorriso terno. — Ficarei ausente por um longo tempo.
— Quanto tempo? — perguntei.
— Uns dois meses mais ou menos. Estou responsável por um projeto na Itália. Foi de última hora.
— O pai Gregory vai com você?
Ele fecha a cara quando escuta o nome. Ao perceber que eu tinha notado, ele disfarça.
— Não, esse é um projeto que farei com outra pessoa.
— Entendi. Desejo uma boa viagem pai.
— Antes de ir... preciso falar algo importante com você — dei margem para que ele falasse, encostei no corrimão da sacada, ele ficou ao meu lado olhando para os prédios a frente. — Eu estive pesquisando a respeito dessa moça que você namora... fiquei curioso quando escutei o sobrenome dela, Saltzman não é um sobrenome tão comum. Eu havia ouvido por alto sobre ele quando estive em Miami. No casamento, eu soube que ela era sobrinha da Caroline, que faz parte dessa família, mas usa o Forbes como nome artístico. E tudo fez sentido.
— Espera, você andou investigando a família da Josie? — perguntei incrédula. Ele ignorou a minha pergunta e continuou.
— Você sabia que ela faz parte de uma das famílias mais ricas de Miami? dona de diversos prédios na cidade, incluindo um shopping. Os Saltzman são praticamente um conglomerado familiar. Pessoas de muito poder e muito dinheiro, até mais que nós.
— Não pai, eu não sabia. Josie nunca fala sobre os familiares por parte do pai. Mas por que isso importa?
Simon sentou-se na poltrona que tinha no canto e me encarou profundamente. Ele estava visivelmente incomodado.
— O que me faz pensar... como uma garota que é descendente de uma família tão rica, não tem dinheiro para pagar um mero hospital.
— Você não sabe metade dos acontecimentos que rodeiam a família e muito menos eu. Ela fazer parte de uma família herdeira, não significa que ela tenha dinheiro ou contato com eles. Eu nem sei porque estou justificando isso. Não faz diferença nenhuma. Seja lá qual for o relacionamento entre eles, não é da nossa conta.
— Você se engana, filha. Tudo o que você estiver envolvida é da minha conta. Você não tem interesse em saber por qual motivo ela não tem apoio dos próprios avós? Sendo eles quem são.
— Não. Isso não me interessa.
Falei curta e grossa. Eu não o reconheço. Como ele ousa investigar a família dela? O que diabos ele esta em busca de achar. Não sei metade do passado dela e também não importa. Josie já passou por tantas coisas na vida. Ela merece todo apoio, amor e carinho. E eu sou a pessoa que vai fazer qualquer coisa por ela, meu pai gostando ou não.
— Me preocupo com você. Não quero que se meta com uma pessoa que faz parte de uma família disfuncional. Onde os próprios avós não se importam. Gregory e eu somos as únicas pessoas que você deve confiar e ouvir. Você precisa confiar que tudo o que eu faço é para o seu bem.
Cruzei os braços com a mandíbula cerrada. Eu precisava colocar para fora os tormentos que rondavam os meus pensamentos.
— O senhor fala tanto de preocupação... de como uma família deve ser — olhei na sua direção, sentindo o peso das palavras. — Mas... quantas vezes o senhor de fato esteve presente por mim? Digo, quantas vezes esteve presente nos meus aniversários, formaturas, nos recitais de piano. Nas apresentações dos dias dos pais — eu sorri em desdém, sentindo o amargo de todas essas lembranças dolorosas. Nas quais eu queria esquecer. — Em quantos desses eventos você esteve lá por mim? Já que você acusa a família dela de ser disfuncional.

Ele ficou pasmo, e engoliu em seco. Respirando com dificuldade. Acredito que não esperava essa reação. Com tudo, a hipocrisia das suas palavras me afetaram. Porque ele não enxerga que disfuncional somos nós. A nossa família popular e "perfeita", aos olhos da sociedade. Ele é ausente e nem percebe. Eu cresci sob cuidados de outras pessoas. Quem está comigo desde que me entendo por gente é o Elliot.
— O senhor não esteve presente na maioria dos momentos mais importante da minha vida.
— Você esta se rebelando contra mim?

Incapaz de EsquecerOnde histórias criam vida. Descubra agora