06

144 19 2
                                    

Erro

Dois meses se passaram, e nesses dois meses houve de tudo. Ainda não consigo entender por que toda essa confusão. Admito, foi um erro estúpido, mas, porra, nada realmente aconteceu. Ana parece realmente detestar o irmão, e ele também não esconde o desgosto que sente por ela. Toda vez que converso com ela, é só mais uma rodada de reclamações sobre ele. É como se cada interação entre os dois fosse uma batalha, e a tensão cresce mais a cada dia. Fico me perguntando o que aconteceu entre eles para chegar a esse ponto, porque a situação está longe de ser uma simples briga de irmãos. Os Gavira estão sempre rondando meus pensamentos no dia a dia, mas hoje decidi deixá-los de lado. Ferran me convidou para inaugurar na casa nova dele, e não vou perder essa oportunidade por nada. Vai ser bom sair um pouco dessa rotina e aproveitar o momento, sem as preocupações de sempre.

Ana está numa festa de chá, ao lado de sua mãe. Enquanto isso, seu pai provavelmente está em algum canto da cidade com o filho. Mas meus pensamentos insistem em voltar para aquela casa, e isso está me consumindo, me estressando de uma forma insuportável. Puta que pariu. Vejo meu celular vibrar em cima da mesinha e, ao pegar, o nome de Torres aparece na tela. Suspiro antes de atender.

— Cara, vai vir quando? — A voz embargada de Torres denuncia que ele está bêbado. Olho para o relógio na parede, e os ponteiros ainda nem marcam meia-noite. Sorrio enquanto termino de calçar meus tênis. — Relaxa, Ferran. Tô indo. — Desligo o celular ao ouvir ele murmurar algo sem sentido. Pego o meu perfume e borrifo em todos os lados do meu corpo, deixando o aroma envolver-me. Me aproximo do espelho e dou uma última conferida no visual: roupas pretas, como sempre. Saio do apartamento com as chaves do carro na mão, sentindo o peso da noite se aproximando. Desço as escadas até o estacionamento subterrâneo, onde o eco dos meus passos preenche o silêncio ao meu redor. Assim que chego perto, ouço o apito familiar do meu carro enquanto o destravo com um simples toque.

(...)

Dirijo com uma mão no volante, enquanto a outra desliza pelo celular, verificando as mensagens de Ana. Avisei que estava indo para a casa do Ferran, e ela respondeu me pedindo para não beber e contando sobre o tempo que passou com a mãe. Quando finalmente chego à casa nova dele, fico impressionado com o tamanho do lugar. Estaciono o carro, ainda boquiaberto, e desço. O que diabos o Ferran fez para comprar um casarão desses? O som alto já explode aqui fora, e posso sentir o chão vibrando com alguma música animada que toca dentro. Entro na casa, notando que a porta estava aberta. Lá dentro, está lotado de gente—muito mais do que eu esperava. Pessoas que nunca ouvi Ferran mencionar, mas quem é que recusa uma festa, certo? Ao olhar em volta, vejo Torres descendo a escada, e, por Deus, ele está um bagaço.

— E aí, irmão! Já tá se divertindo? — Ferran exclama, a voz arrastada enquanto ele passa o braço em volta do meu pescoço, praticamente se jogando em cima de mim. O cheiro forte de álcool em seu hálito me atinge como um soco, me fazendo segurar a respiração por um instante. Ele está claramente bem além do ponto de aproveitar a festa. — Cara, você tá um trapo. — Murmuro, mas ele apenas ri, sem se importar com a própria condição. Desvencilho-me com cuidado, segurando-o pelos ombros para que não caia.  — Vou pegar uma bebida.— Digo, mais para mim mesmo, enquanto me afasto dele e vou em direção à cozinha. Atravesso a sala, desviando das pessoas que dançam e conversam alto, a música pulsando tão forte que sinto as vibrações no peito. Na cozinha, encontro uma mesa abarrotada de garrafas, copos e algumas latas já vazias. Pego uma cerveja e abro, o som do gás escapando é quase um alívio em meio ao caos. Dou um gole, sentindo o líquido gelado descendo pela garganta.

Saio para a sala, tentando entrar no clima da festa, logo noto alguns olhares maliciosos vindo de um grupo de mulheres. Suspiro, desviando o olhar e me concentrando na minha cerveja, buscando um pouco de paz em meio à agitação. Ferran surge novamente, mais perdido do que antes. Na mão, ele segura outro copo de alguma merda forte. No rosto, um par de óculos escuros, sem nenhum motivo para estar ali, considerando que já era noite. Conheço o Ferran desde moleque. Nós crescemos juntos, sempre colados um no outro. Ele foi o meu primeiro amigo quando mudei de escola, e, por ironia do destino, nossos pais acabaram virando sócios na mesma época. Desde então, nossa amizade só cresceu. Nós éramos inseparáveis desde o jardim de infância, e foi ao lado dele que passei por várias fases da vida. Vimos nossos estilos mudarem, os gostos evoluírem, e até os erros se repetirem. Com Ferran, não havia espaço para tédio. Ele sempre teve essa capacidade de se jogar de cabeça em qualquer situação e depois se foder, mesmo que a maré não estivesse a favor. E, mesmo quando tudo parecia desandar, lá estava ele, rindo da própria desgraça.

𝘛𝘦𝘯𝘵𝘢𝘤𝘪𝘰𝘯Onde histórias criam vida. Descubra agora