Capítulo Único

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Yabashira levantou da cama meio tarde, percebeu isso pela claridade dos filetes de sol que entravam pelas frestas da janela. Ele se levantou e bocejou, despertando aos poucos e se levantando para se esticar. Arrumou a cama e saiu do quarto para ir à cozinha ver se seu mestre Shizuno já estava acordado — e provavelmente estava. O oni se sentia tão cansado, se arrependia de ter ficado acordado até mais tarde com Shizuno para ver as estrelas cadentes na noite passada.
Ao chegar a cozinha seu sono passou imediatamente. A cozinha estava completamente bagunçada e não havia sinal de Shizuno por perto, provavelmente ele já tinha saído ou para coletar ervas ou para vender seus medicamentos na cidade.
— Você só me dá trabalho.— resmungou Yabashira coçando a parte de trás do cabelo em frustração.
Sabia que teria muito trabalho pela frente de novo, então achou melhor primeiro tomar um banho. Foi até seu quarto novamente e pegou um par de roupas novas e um sabonete natural, depois foi até o banheiro para tomar um banho e se limpar. Pôs as roupas em cima de um banco pequeno e encheu a grande caixa de madeira,  mergulhando nela e sentindo seu corpo inteiro relaxar. Só de pensar no furacão que passou na cozinha Yabashira pensava em ir embora, porém também vinha a mente a pequena e bagunceira figura do farmacêutico fazendo medicamentos e deixando tudo espalhado, e isso sempre lhe fazia rir. Seu rosto ficou um pouco vermelho. Na verdade, só continuava a ser o assistente — ou faz tudo — de Shizuno porque gostava dele, mais do que como amigo. Infelizmente ele não tinha coragem de contar isso ao seu mestre por medo de estragar a boa amizade que tinham. Terminado de se banhar, vestiu as roupas e deixou o banheiro para limpar a cozinha.
Entretanto, ao chegar nela percebeu que estava fazendo errado e mimava até demais Shizuno sendo seu empregado do que apenas assistente. Então uma ideia surgiu e ele tratou de se arrumar.

[...]

— Yabashira.— cantarolou Shizuno ao abrir a porta de sua casa à tarde. A primeira coisa que o oni anão percebeu foi que tudo estava muito silencioso, porque sempre que chegava podia ouvir Yabashira reclamando enquanto fazia alguma coisa. A segunda coisa que percebeu foi que a casa estava igual como deixou quando saiu, nada foi limpo ou devolvido ao seu lugar, pois Yabashira sempre arrumava tudo pra ele. O oni deixou a bolsa de couro com ervas em cima da mesa da cozinha que deixou bagunçada quando saiu, nada tinha sido limpo ali também.
— Yabashira.— chamou Shizuno de novo. O farmacêutico foi até a pequena sala próximo às escadas, mas ele não estava lá. Foi até o quarto de Yabashira, porém estava vazio e bem arrumado como ele sempre deixava. Banheiro, quarto de hóspedes e até no seu próprio quarto, todavia em nenhum desses cômodos Yabashira estava. Shizuno correu para fora de casa e caminhou na área ao redor de casa, tanto na parte livre quanto onde seu assistente lavava a roupa e secava ela no varal. Foi até o poço próximo dali ver se ele não estava lá. E não estava.
Shizuno voltou para casa preocupado e foi para seu quarto, sentando em sua cama e tentando pensar naquela situação. Onde Yabashira tinha ido? Por que não o avisou ou deixou algum bilhete? Por que Yabashira o abandonou sem mais nem menos?
Outra questão surgiu: como iria arrumar a casa? Yabashira é quem cuidava daquilo e sabia o lugar de cada coisa. Isso o fez pensar que seu assistente fazia praticamente tudo ali; ajudar em seus medicamentos; cozinhava a comida todo dia; lavava e dobrava as roupas; até o ajudava a dormir quando tinha pesadelos.
Ali em seu quarto, Shizuno percebeu o quão era inútil sem Yabashira, não sabia cozinhar, lavar e nem costurar um pano sequer. Se não fosse suas habilidades como farmacêutico ele não teria nenhuma utilidade. Shizuno se deixou cair sobre a cama em prantos, se sentia um mau amigo. Estava fazendo seu amigo oni de escravo esse tempo todo e nem percebia. Yabashira devia lhe odiar e por isso foi embora, abandonando ele com suas ervas com cheiros estranhos. O oni anão ficou um bom tempo ali chorando até se levantar e secar as lágrimas com a manga da roupa. Se viver sozinho de agora em diante, então teria que aprender a se virar. Ficou de pé e arregaçou as mangas, em seguida deixou o quarto e foi primeiro para a cozinha. Ali era onde a bagunça era maior. Pegou seus utensílios de produção e pôs no tanque que usavam para limpar a louça, jogando tudo lá. Depois pegou a vassoura e começou a varrer as sobras folhas e sementes dos integrantes de seus medicamentos. Varreu na direção da porta que decidiu abrir e jogou com tudo, não sabia como Yabashira fazia, mas estava tentando.
Deixou a vassoura na parede ao lado da porta e caminhou até o tanque. Pegou o sabonete natural de jasmim e esfregou em cada item, depois jogou água e sacudiu, repetindo esse processo e secando com um pano de louça. Depois guardou tudo nos armários que Yabashira separou só para eles, para não misturar com a louça de cozinha. Limpou o tanque também para não contaminar a louça comum e contemplou a cozinha.
Aquele cômodo estava melhor, muito melhor que antes. Verificou os quartos para ver se havia roupa para lavar, mas não tinha. Saiu pela porta e deu a volta pela casa até o varal de roupas — e enquanto caminhava, viu que já era noite e que estava frio — vendo algumas estendidas. Tocou para ver quais estavam secas e quais ainda estavam frias. Recolheu as secas e guardou cada uma no armário de cada um deles, depois caminhou por toda a casa acendendo velas para iluminar a escuridão e esquentá-lo contra o frio da solidão. Voltou para o quarto de Yabashira e se arrependeu daquilo, porque agora aquele quarto estava vazio sem seu dono.
Shizuno abriu o armário e pegou um roupão de Yabashira que foi recentemente lavado, sabia disso por estar com cheiro de lavanda e nem dobrado. Abraçou a peça de roupa e cheirou ela, porque sabia que a lavanda não iria tirar o cheiro natural do oni. Admitia que tinha um pouquinho de inveja de Yabashira, não só pela altura como também por ele ser bastante habilidoso em praticamente tudo. E também ele era muito bonito. Que amigo mau Yabashira era por ser incrível tanto em beleza como em serviços gerais, ser tão encantador.
Deitou na cama de Yabashira abraço ao roupão dele, que agora estava também com seu cheiro.
Me desculpe Yabashira, volta por favor, suplicou Shizuno em pensamentos.
— Shizuno? O que tá fazendo aqui?— questionou Yabashira entrando de repente no quarto.
O oni anão abriu os olhos e se levantou de ímpeto, ficando de frente pra Yabashira. Não estava acreditando que seu desejo havia sido concedido e seu assistente havia voltado. Shizuno abriu um largo sorriso e seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
— Você voltou!— disse o oni anão ao correr para abraçar o outro oni mais alto.— Graças aos deuses.
Yabashira ficou um pouco corado com aquele ato, já que sua relação com Shizuno era apenas de amizade e qualquer contato mais que mínimo seria estranho.
— B-bem, por que eu não voltaria?— perguntou Yabashira confuso e nervoso.
— Você me abandonou idiota!— acusou Shizuno interrompendo o abraço chorando novamente.— Me deixou sozinho com a casa toda bagunçada, nem me deixou nenhum recado e foi embora sem-
— Mas eu deixei um recado burro.— contestou Yabashira.
— Deixou?— Shizuno ficou confuso.
Yabashira pegou Shizuno pela manga do roupão e o levou até a cozinha. Yabashira o soltou e foi até o armário onde guardava a louça comum, e na porta dela havia um pequeno pedaço de papel pregado com um bilhete. Yabashira se virou para Shizuno e apontou para o bilhete escrito: Estou indo ver minha mãe na cidade, volto mais tarde.
— Aqui meu aviso, seu cego. Aposto que você chorou tanto que nem viu.
— Eu teria visto se fosse maior.— Shizuno respondeu na defensiva.
— Você que não prestou atenção, como sempre.— Yabashira cruzou os braços chateado com seu mestre.
Shizuno percebeu isso nas palavras do assistente, fazendo-o se sentir um amigo egoísta.
— Desculpa Yabashira, eu sinto muito por te dar tanto trabalho. Eu realmente sou péssimo no que faço.— Shizuno queria chorar, porém não conseguia mais. Sentia dor de cabeça e sabia que Yabashira também devia estar sentindo isso.
— Ei, não pense nisso.— Yabashira se aproximou de Shizuno, se ajoelhando para ficar da altura do oni anão.— Você não é tão ruim quanto pensa. Olha só, a cozinha tá limpa e eu nem lembrei de fazer isso antes de sair. Talvez eu também esteja te dando trabalho por te cobrar tanto.
Yabashira abraçou Shizuno para confortá-lo, o farmacêutico aceitou de bom grado mesmo não gostando tanto de contato físico.
— E como resolvemos isso?— perguntou Shizuno.
— Eu fui pedir ajuda pra minha sobre isso, ela disse que seria uma boa ideia dividir as tarefas, para que nenhum fique sobrecarregado.— respondeu Yabashira desejando ter mais um pouco abraçado à Shizuno. Não sabia quando teria outra oportunidade.
— Mas eu não sei limpar ou cozinhar.— Shizuno não queria dar desculpas, contudo realmente não sabia fazer as mesmas coisas que seu assistente fazia.
— Eu vou te ensinar, não se preocupe.
Shizuno se afastou com delicadeza de Yabashira para não parecer rude, porque mesmo que tenha gostado do abraço não se sentia confortável por ser tocado ou tratado como uma criança por sua aparência ou tamanho. Yabashira entendeu e ficou de pé, tinha que respeitar as vontades de Shizuno.
— Promete que nunca vai me abandonar?— perguntou Shizuno fazendo aquela carinha de cachorro abandonado.
— Mas é claro que não, por que você tem que ser tão dramático.— Yabashira riu.
— Porque eu sei que você vai resistir aos meus charmes.— Shizuno sorriu de maneira exibida para Yabashira.
— Você é impagável Shizuno, vem, minha mãe me deu uma receita de bolo. Vou te dar sua primeira lição.
— Humm, eu amo os bolos da sua mãe.— Shizuno deu pulinhos até o fogão.
— E depois que a gente acabar você vai limpar tudo.— respondeu Yabashira tirando algumas louças do armário e deixando em cima da mesa.
— Qual é Yabashira.— choramingou Shizuno.
— Limpe sua bagunça Shizuno.— Yabashira piscou para Shizuno, saindo da cozinha para ir a dispensa atrás do ingredientes.
O oni anão sentou na cadeira inconformado — apesar de estar feliz que seu amigo tinha voltado — e ficaria de birra até o dia seguinte por ter que cuidar da limpeza.

Limpe sua Bagunça (Yabazuno)Onde histórias criam vida. Descubra agora