Por que as tentações dessa vida tem que ser rabudas?

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Odilon, Graciara e Cacá estavam do lado de fora junto de Kelvin, engajados numa conversa. Eventualmente um ou outro carro chegava, e Kelvin continuava olhando em busca de um carro específico. Era sexta-feira e os clientes apareciam de monte para participar do karaokê. Ainda era cedo na noite, e ele estava ansioso que Ramiro decidisse dar mais um dos seus chás de sumiço, e se acontecesse, Kelvin pensou que dessa vez teria culpa no cartório.

Haviam se visto aquela manhã. Depois que Kelvin fez o teste rápido e passou na farmácia, avistou Ramiro dentro de seu carro, aparentemente avoado e olhando para a entrada do estacionamento de um hotel onde o peão havia jurado ver o carro de Irene. Kelvin estava de frente para o carro e Ramiro não se tocou em momento algum. Olhando ao redor, viu que o peão estava parado num local indevido, de frente à joalheria, e resolveu fazer uma boa ação antes que ele fosse enxotado dali. Se aproximou da janela aberta do banco do passageiro e bateu as mãos ali, fazendo barulho, e Ramiro deu um sobressalto tão exagerado que ele não pode segurar a risada.

"Faz essas coisa não!" Ramiro falou alto, se reajustando no banco.

"Meu tamanho é 24", falou Kelvin, sugestivo.

"Que história é essa agora, Kevin? Eu não tô com tempo não", falou, ligando o motor. Quando olhou para a ele, Kelvin estava apontando para o próprio dedo anelar. Ramiro engoliu a seco.

"E meu tom é a prata, tá? Combina com meu tom de pele", gesticulou, passando o dedo pelo próprio braço.

Erguendo e baixando os ombros, ele engatou a primeira marcha, "Ocê tira essas ideia da cabeça, demônio, Belzebu!", advertiu, antes de pisar no acelerador.

Então, talvez, só um pouco, Kelvin tivesse culpa, foi o que pensou, antes de o karaokê ser anunciado. Limpou a garganta e voltou seu trabalho de anotar os interessados em cantar. Sim, estava trabalhando nas suas férias, pois não tinha nada melhor pra fazer. Não tinha família para aproveitar, ou namorado para trocar carícias. Olhando para onde Odilon estava, com Graciara em seu colo, não pôde deixar de sentir uma pontada de inveja.

Uma criança abrindo e reabrindo a geladeira quando está vazia, em busca de que algo apareça se abrir de novo, é isso que ele estava parecendo, olhando várias vezes para fora toda vez que escutava um carro. Respirou fundo uma vez antes de se dirigir ao balcão, onde pediu um drink. Estava tomando a PEP, mas se certificara de perguntar se o álcool não afetava o tratamento, ao que a resposta do médico foi negativa. Agradeceu a Deus, pois sinceramente, enquanto a noite continuava a cair, mais de uma bebida ele precisava.

Aquela sensação de solidão mencionada por Frank aquela tarde pareceu lhe atordoar desde a conversa, e enquanto o bar ia ficando vazio e Ramiro não dava notícias, pior ela ficava. Já estava no terceiro copo de vinho quando seu nome foi chamado por Iná. Ela estava na porta, e apenas falou com os olhos e com um gesto de cabeça, olhando para Kelvin e em seguida para fora.

Ele se levantou de supetão e correu até o alpendre para olhar. Era o carro de Ramiro, mas ele não havia saído. Descendo as escadas, Kelvin foi até a janela do motorista, que estava aberta pela metade, e Ramiro não olhava para ele.

"Você voltou!" Kelvin disse, sorrindo apesar de tudo.

Ramiro mexia os olhos desassossegadamente, tentando olhar em direção a Kelvin, mas era como se algum sentimento estranho o impedisse.

Enquanto Kelvin pensava no que falar, ouviu a porta abrir e tirou as mãos da janela, dando espaço.

Ramiro saiu devagar, erguendo o olhar para Kelvin, mas evitando seus olhos. Num movimento indeciso ele ergueu as mãos e tocou Kelvin na cintura, e trocaram olhares, se comunicando em silêncio, antes de engatarem num abraço. Quando Ramiro relaxou, entendeu por quê tinha vindo direto para Kelvin ao invés de ir para casa.

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⏰ Última atualização: Jul 29 ⏰

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